29/11/2023

Referenciais errados


Quando eu era criança a minha mãe dizia "macaco senta em cima do rabo e ri do rabo dos outros" numa lição de moral sobre apontar os erros dos outros enquanto se esconde os seus próprios erros.

Pois bem...

É comum o uso do recurso de apontar os erros dos outros, especialmente em certos redutos por parte de auto-legitimadores que costumam escolher exemplos grotescos para descer a lenha justamente porque esses exemplos escabrosos funcionam como espantalhos que merecem ser apedrejados por seus tão evidentes escândalos, e que, quando comparados conosco nos fazem sentir bem com o que somos. Esse tipo de comparação costuma nos legitimar e nos confere sensação de alívio a respeito dos nossos erros, porque eles são menores do que os erros absurdos dos outros. É a prática de se justificar dizendo que "eles são piores do que eu".

É muito bom para o nosso ego ter alguém pior do que nós para nos comparar. Esse exercício cretino parece nos legitimar, autenticar, nos valida em nossos pecados. É assim que o mentiroso irregular acredita ser uma pessoa honrada quanto está perante um mentiroso contumaz; um adúltero pensa que é um cidadão de bem quando se compara com um pervertido em grau piorado; um ladrão filiado ao crime organizado se considera boa gente quando comparado a um assassino de mulheres e de crianças; um crente mundano se sente um santo em comparação com um idólatra declarado; um crente que relativiza algum mandamento bíblico se considera muito fiel a Deus quando se compara com um pregador de mentiras da IURD; uma igreja progressista que enche o pão ázimo das doutrinas bíblicas com fermentos do mundo se sente ótima e se considera biblicamente fiel porque se compara com os piores casos do neopentecostalismo com sua nefasta teologia da prosperidade.

Nesse sentido, no caso das igrejas, apontar os desvios grosseiros e das falas heréticas de calibres pesados como o do Edyr Macedo, do Waldemiro chapelão ou do Ed René atualizador da Bíblia podem funcionar como alívios para aqueles que tentam legitimar os seus próprios desvios por considerá-los menores, mera "bobagem". E daí se temos pastores e presbíteros recasados? Os barões da Assembleia do Brás manipulam e torcem muito mais a Bíblia do que esse "pequeno detalhe discutível"... Para os corruptores comuns ter referenciais de corrupção maiores do que eles pode fazer com que se sintam validados. Considerando isso, podemos entender que o maior mal que os grandes promotores de escândalos ao Evangelho provocam não são os frutos diretos das suas corrupções nos seus rebanhos (até porque ninguém, nem os incautos, são inocentes), mas sim o fruto indireto das suas contaminações na relativização da fidelidade a Deus nos outros cristãos, nas outras igrejas, com o crescimento do descaramento e do cinismo naqueles que tomam os grandes escândalos como exemplos para atenuarem a gravidade dos seus próprios erros. Isso faz com que muitas igrejas se meçam por critérios cada vez mais baixos quanto à fidelidade a Deus. Por exemplo: em tal denominação pratica-se a corrupção política nas definições dos cargos de autoridade em verdadeiros exemplos de coronelismo ou de simonia (a antiga corrupção que é irmã gêmea, idêntica do nepotismo, mas que é praticada no mundo eclesiástico) e eles se sentem bem assim, porque pelo menos eles não são neopentecostais, não fazem falso-profetismo envolvendo dinheiro e não têm apóstolos modernos. Então está tudo "bem"!

Na prática muitos se sentem legitimados porque há quem corrompa mais, quem minta mais, quem adultere mais, quem peque mais do que o cínico que corrompe, que mente, que adultera mas não tanto quanto o espantalho adotado.

O erro está na adoção de um referencial ilegítimo. Os nossos espelhos jamais deveriam ser os outros, os piores, os decadentes e mundanos. O nosso espelho é Cristo, são as Escrituras. Nosso modelo a que devemos mirar e imitar é o do Senhor porque somente Ele nos faz prosseguir em crescente santificação. Se olharmos para Jesus, olhando para os padrões das Escrituras, nós nunca nos nivelaríamos por padrões baixos, mas manteríamos as aspirações pela virtude, por crescer sempre, pelo aperfeiçoamento, pela edificação e pela santificação das nossas vidas e das nossas igrejas. Por isso, jamais devemos nos acomodar em nossas imperfeições, nunca legitimar nossos pecados, nunca nos acomodar porque tem gente pior do que nós nem nos moldar por modelos mundanos, quaisquer que sejam.