10/03/2023

Teologia do trabalho

 


Teologia do trabalho 

"No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás." (Gênesis 3:19)

"Pois comerás do trabalho das tuas mãos; feliz serás, e te irá bem." (Salmos 128:2)

O assistencialismo, como ativismo ideológico amplamente praticado e estimulado em nosso tempo, tem destruído certas noções de certo e de errado que deveriam estar presentes na vida em sociedade. Esse assistencialismo tem motivado e sustentado uma epidemia de maus costumes em gente que, cada vez mais, acredita ter direito às provisões para a vida, ao alimento e à moradia sem que sejam cooperadores com o bem da sociedade através das contribuições do seu trabalho.

Hoje de manhã eu me senti compelido a confrontar um homem de aparência saudável, gordo e ainda jovem, que estava assentado à porta da padaria pedindo que lhe comprasse algo para comer. A princípio lhe respondi "não" ao pedido, mas ao sair da padaria eu fui falar com ele. E o confrontei dizendo que já o tinha visto diversas vezes naquele lugar, sempre pedindo coisas, e que esse comportamento é indigno a um homem e, portanto, ele deveria se levantar dali, deixar a autopiedade e ir à luta atrás de um trabalho e de refazer a sua vida com dignidade. Obviamente o homem não gostou do que ouviu, ele engrossou comigo, a voz choramingante deu lugar à fala grossa de um homem ofendido, e eu reafirmei minha posição dizendo: "ou você pára com essa autopiedade ou se entregue a ela e morra".

O Apóstolo Paulo nos ordena, como desdobramento prático da Lei de Deus sob o Evangelho do Senhor Jesus Cristo, e sob a inspiração do próprio Deus como norma reguladora da vida, que é do nosso trabalho que deve vir o nosso sustento. E mais, se alguém se recusa a trabalhar, essa pessoa deve ser notada, posta à parte e torna-se indigna de comer.

Radical, não é mesmo?

Não, não é radicalismo. É a decência e é justiça. É deixar claro que é digno ao homem trabalhar. A vadiagem, a mendicância, a dependência de assistencialismo corrompem o homem e não somente a pessoa que se sujeita a essa indignidade autodestrutiva da auto-comiseração, mas corrompe também a sociedade no seu entorno, que passa a sustentar um verdadeiro parasita através de ideias distorcidas de compaixão e de piedade.

Esse conceito distorcido de piedade, de compaixão e de misericórdia têm feito parte de muitos ativismos sociais e de ativismos tidos como "cristãos" como se fossem expressões das suas missões (nesse quesito, destaca-se o caso do ativista Júlio Lancelotti, um pároco famoso da Mooca que faz sucesso junto às políticas de esquerda por confundir, deliberadamente, misericórdia cristã com irresponsabilidade). Grande erro! Nunca as verdadeiras missões cristãs serão opostas ao claro ensinamento bíblico. Por esses motivos fica evidente que ativismos supostamente cristãos que acolhem a vadiagem e situações absurdas como a multidão de viciados na Cracolândia pelas missões que sustentam esses viciados têm servido apenas como meios de sustentar e manter a situação como está. Um "craqueiro" não tem porque sair do inferno em que está enquanto for a ele dado tudo o que ele precisa - comida, banho, cobertor, abrigo - para simplesmente continuar na situação deplorável onde está, e com a garantia de gozar de manutenção e subsistência por parte de "almas caridosas" que pensam estar lhes fazendo um bem, quando, na verdade, estão lhes fazendo mal ao lhes dar plenas condições de ficarem na situação degradante indefinidamente, acabando por promoverem, também, o estabelecimento de um "Estado paralelo" nos micro-universos do crime e dos seus redutos.

É óbvio que há situações em que as verdadeiras misericórdia, caridade e compaixão requerem que se dê alimento, provisões e cuidado aos desvalidos. Mas isso é diferente de se criar um sistema de dependência das caridades e de fomento à vadiagem. A caridade é uma emergência aos necessitados, não um meio de subsistência a ser estabelecido.

Todo homem tem condições dadas por Deus para ser útil, para trabalhar (e são incontáveis as possibilidades de trabalho - e isso não é a mesma coisa que emprego) e ao fazer de si mesmo um inútil dependente de benesses, esse homem destrói a si mesmo investindo na construção de um ser parasitário, uma ofensa injustificável à dignidade humana, uma dignidade intrínseca e indelével de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus.

Portanto, se queremos fazer algum bem aos vadios que se entregaram às misérias da mendicância, devemos dar a eles não alimentos e cobertores que prolongam e fazem subsistir as decadências a que se entregaram, mas devemos dar a eles o tratamento necessário para que se levantem do fundo do poço e reassumam suas vidas com dignidade, trabalhando responsavelmente e obtendo as justas provisões para a vida como frutos obtidos pelo seu próprio trabalho.

"Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu.

Porque vós mesmos sabeis como convém imitar-nos, pois que não nos houvemos desordenadamente entre vós,

Nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós.

Não porque não tivéssemos autoridade, mas para vos dar em nós mesmos exemplo, para nos imitardes.

Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também.

Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs.

A esses tais, porém, mandamos, e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão.

E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem.

Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe.

Todavia não o tenhais como inimigo, mas admoestai-o como irmão." 

(2 Tessalonicenses 3: 6-15)

__________________________________

Praça da Sé, 27/02/2023 17h40.

Deplorável, ameaçadora e tomada pela indústria da miséria, da vadiagem e dos vícios.

As grandes praças do centro de São Paulo foram transformadas em depósitos de homens e de mulheres que abandonaram a civilidade apoiados por péssimas políticas públicas que tornaram esse tipo de anomalia um mal crescente.

Atualmente sou avesso às missões urbanas que financiam a sub-humanidade dos que se entregaram aos vícios, à violência e à destruição de si mesmos.

Por que essa gente sairia da degradação se há quem lhes ofereça comida, cobertor, local para dormir e tomar banho que os faz acomodados?

Esse tipo de missão urbana favorece e torna mais confortável toda essa situação, e os que lucram com essa gente empilhada como lixo nos espaços públicos agradecem pela inusitada parceria.

É o Estado que precisa tomar medidas.

__________________________________

Registro de 07/08/ 2023 dos usuários de drogas agindo com violência contra os policiais


Sobre a Cracolândia - texto de maio/ 2022

Há alguns anos eu tive um importante aprendizado sobre como exercer compaixão e misericórdia pelas pessoas degradadas da Cracolândia.

Movido pelo ímpeto cristão da misericórdia, certa vez me juntei a uma das missões cristãs que atuam no centro de SP, na região da Cracolândia, e que trabalham com esse público. Essa foi uma das mais amargas experiências que tive na vida.

Começamos com uma reunião de instrução e com orações na sede de uma das missões, na Rua Guaianases, e de lá seguimos para nos juntar ao "fluxo", o movimento noturno da massa dos viciados. Mas, como a nossa equipe estava devidamente identificada com coletes das missões, havia certa garantia de respeito, ninguém mexeria conosco porque todos ali sabem que somos das missões e ali estamos para ajudar, para servir.

A nossa missão era espalhar a notícia de que a sopa estava sendo servida, e aquelas pessoas já sabiam que essa era a senha de que além da sopa também lhes eram oferecidos o banho e a possibilidade de ter um lugar para acolhida, para aconselhamentos e orações, e também a possibilidade de encaminhamento às clínicas de recuperação - muito embora todas aquelas missões já soubessem que essa opção era muitíssimo remota. Os índices de sucesso, de gente recuperada, eram baixíssimos. Mas o nosso trabalho de fé e de serviço era semelhante a uma pescaria que não podia se pautar em números de sucessos.

Foram algumas horas perambulando pelo fluxo, e em certo momento ocorreu a pior experiência que tive na vida. Paramos diante de um depósito que parecia ser um ferro velho onde tinha um cortiço deplorável e nos foi dada autorização para adentrarmos - e me chamou muito a atenção a necessidade de autorização, deixando evidente que o local de aparência caótica era, na verdade um fluxo organizado que tem chefes reconhecidos que decidem as coisas. 

Entramos, então, num cômodo degradado onde tinha um casal de viciados e no meio havia um colchão de casal imundo e revirado, e por detrás dele surgiram duas meninas pequenas, imundas e seminuas que aparentavam ter 5, 7 anos, vestidas apenas com calcinhas. Vê-las ali fez rodar um filme de terror na minha mente, o que aquelas meninas estariam fazendo ali? O que era feito com elas? Seriam moedas de troca naquele cenário de absoluta degeneração? E o terror se agravou quando a mulher, ao ver o grupo de missionários, puxou o cântico "És a nossa Estrela da manhã" (sim, grande parte daqueles viciados é composta por desviados do Evangelho...), começando ali, naquele lugar devastado, um momento de "louvor" e de comoção. Alguns do nosso grupo se emocionaram, mas aquilo me causou nojo, uma indignação como poucas vezes pude experimentar na vida, somado a um senso de completa impotência e de fracasso porque aquelas meninas, embora muito próximas das nossas mãos estavam muito distantes do nosso socorro. Como podem louvar a Deus ali e a situação continuar a mesma principalmente para aquelas crianças? Aquele não era um contexto de alegria, mas sim de profunda consternação. Eu vi minha filha refletida naquelas meninas que tive que deixar para trás, largadas naquele inferno, enquanto eu estava tomado por vergonha e um senso de absoluta derrota como parte de uma liga de missionários impotentes, sem se darem conta de que foram humilhados por causa do entorpecimento de acharem que ali houve louvor a Deus e de que Ele foi servido. 

Então a minha perspectiva mudou radicalmente. Não estávamos ajudando, estávamos apenas dando melhores condições para aquelas pessoas continuarem naquela mesma situação de autodestruição, mas agora com comodidades como terem onde jantar, tomar banho, aliviar suas consciências e continuarem se drogando e comercializando os seus corpos e os corpos de suas filhas, mas com um verniz muito superficial de dignidade. Em outras palavras, estávamos ajudando aquelas pessoas a permanecerem ali, se destruindo. Pra quê voltar para casa e buscarem se recompor se eles têm comida e higiene garantida para ficarem ali? Por isso, hoje, eu penso que a caridade pode ser muito mal empregada e ao invés de fazer bem ela pode acabar fazendo o mal. Não dá para administrar a degeneração com complacência, o melhor bem que se pode fazer a alguém que está no fundo do poço é arrancá-lo dali, ainda que seja necessário o uso de força para isso, e nunca manter a situação oferecendo confortos que fazem com que a pessoa se acomode na desgraça de si mesma.



Vídeo feito na cracolândia em 09/02/2024

Carnaval...

É mole?

__________________________________

#CRACOLÂNDIA  (texto de maio de 2017)

Eu conheci a cracolândia de perto em julho de 2011. Foi uma das experiências mais terríveis da minha vida.

Na ocasião eu participei de uma ação junto às missões evangélicas que atuam na região. Naquela noite, em grupos, os missionários, e eu entre eles, percorremos os quarteirões da região ocupada pela cracolândia para anunciar a uma multidão de pessoas completamente destruídas que a sopa estava sendo servida nas instalações de uma das missões. O trabalho dessas missões já era conhecido por aquelas pessoas, sua caridade era a fonte de alimento e de um pouco de dignidade humana e por isso podíamos andar livremente entre aquela massa de vultos humanos sem ameaças. Eles respeitavam o trabalho dos crentes das missões da região, que, de acordo com as regras, consistia em orar pelas pessoas sem se intrometerem ou interferirem nos "negócios locais" e oferecer alimento, banho e roupas para os necessitados e usar essas caridades como meios para atraí-los para ouvir o Evangelho, a palavra de esperança para um recomeço de vida, que inclui enviar interessados para clínicas de recuperação. Os missionários sabiam que o trabalho era árduo, que poucas pessoas eram alcançadas, entre 100 acolhidos talvez apenas 2 ou 3 seriam restaurados, mas o trabalho tinha que perseverar, afinal quem ganha uma vida ganha o mundo inteiro.

Mas estar no meio da cracolândia presenciando a movimentação de centenas de trapos humanos que perambulavam feito zumbis se drogando diante dos nossos olhos em meio a muito lixo, gente apodrecida aos montes, homens, mulheres, jovens, crianças e velhos completamente desumanizados se rastejando e alucinados, fazendo qualquer coisa para ter a droga e assim permanecer sob o seu efeito me atormentou profundamente. Meu sentimento de impotência e de indignação se agravaram quando adentramos numa construção em ruínas com muitos "moradores" e, lá dentro, num dos cômodos imundos, fedorento, colchão de espuma descoberto, todo sujo e revirado, um casal e suas duas filhinhas de uns 4, 6 anos, seminuas, passou a puxar alguns cânticos, louvores cristãos desses que cantamos nas igrejas. A alegria daquela família com a nossa visita provocou um começo de comoção entre o nosso grupo e aquela mulher e o seu marido oraram conosco, naquele estado, com suas filhinhas (que faziam eu pensar nos meus filhos) e terminada a oração os deixamos ali, seguimos nossa caminhada, ainda tínhamos trabalho pela frente mas eu estava absolutamente transtornado, tomado por terror e por desespero... Como pode um casal entoar cânticos ao Todo-Poderoso naquele estado e a situação deplorável ser continuada? Eu não conseguia olhar para aquelas meninas, verdadeiras vítimas, enquanto, enojado, ouvia os missionários confraternizando com o terror. Os meus pensamentos eram ocupados por imaginações terríveis, considerando o ambiente o que será que era feito com aquelas menininhas? Seriam parte do comércio? O terror e não a esperança tomaram conta de mim e a caminhada, dali para frente, virou uma perturbação insuportável, pois conheci a degradação humana num estágio ultrajante que também expôs tanto a impotência como a hipocrisia inclusive de quem, como eu, tentava fazer algum bem.

Diante da constatação de impotência perante a monstruosidade que vi, eu entendi que mais do que caridade aquela gente necessitava de ações do poder público, aquela situação tinha que ser enfrentada. A cracolândia era um tipo monstruoso de Estado paralelo, com suas leis próprias e o vício de desumanizados era um motor que alimentava um sistema, uma bola de neve, um câncer social sustentado por diversos crimes que aconteciam livremente sob uma caridade constantemente humilhada pela impotência e que se transformou em participante nos negócios. A caridade não tinha como ser suficiente para lidar com o problema dali, o resgate da dignidade humana teria que incluir quem tem força, dada por Deus, para fazer com que o câncer seja extirpado. As pessoas que se entregaram a esse modo deplorável de vida abriram mão da sua consciência, do seu juízo e de qualquer possibilidade de auto-gestão para entregarem-se ao contínuo efeito das drogas e à autodestruição. Acreditar que o oferecimento de algum acolhimento seja suficiente para recobrar a dignidade de quem é capaz de prostituir suas próprias filhas em troco de pedras de crack, mesmo a despeito de esses pais terem consciência da mais maravilhosa das verdades, é muito mais do que ingenuidade, é uma conivência maléfica e uma estupidez perversa que não deve ser admitida.

Sim, a cracolândia precisa ser enfrentada, desmontada. Seus articuladores devem ser penalizados. Não existe uma comunidade local na cracolândia e quem defende qualquer ideia semelhante a essa mentira é um idiota mal-intencionado, é defensor de um absurdo perverso e é um pervertido também. A intervenção à força é uma necessidade humanitária nesse caso e as verdadeiras missões cristãs que antes atuavam nas sombras agora terão que trabalhar junto ao governo e a outras organizações humanitárias e de saúde para tentarem reestabelecer a humanidade das pessoas que se entregaram a esse modo miserável e degradante de vida num trabalho que continuará árduo e necessário.