03/08/2023

Semidestruído, mas prosseguindo


A cara revela perturbação. Depois de anos de relutância, enfim, o diagnóstico que não desejo admitir da maldita depressão. 

Terrível? Não, normal. O mal do pecado tem seus efeitos. Nós só temos cáries, ou obesidade, ou gripe, ou câncer, ou diabetes, ou alzheimer, ou covid, ou enxaqueca, ou má-formação, ou doenças genéticas, ou osteoporose, ou depressão, ou síndrome de down, ou úlceras, ou catapora, ou qualquer outra doença, desordem ou anomalia porque o mal do pecado atinge a todos e de variadas formas, comprometendo não apenas a nossa comunhão com Deus e a nossa espiritualidade (que com a regeneração pelo Evangelho são prontamente restauradas) e a nossa integridade moral (que com a santificação é corrigida ao longo da vida), e as nossas concepções, anseios e racionalidade (que com o processo de assimilação da Verdade são redirecionados para o propósito correto), mas, também compromete a nossa saúde física, a carne, com chagas, com defeitos, com vulnerabilidade, desajustes e com a irremediável morte (coisas que somente serão sanadas na ressurreição, com a glorificação).

Sim, a salvação é um processo que começa na eleição, no ato soberano de Deus salvar a quem Ele decidiu salvar, e inclui a regeneração (a conversão à fé em Cristo), e a santificação como processo iniciado na conversão de nos conformarmos paulatinamente ao modelo do Senhor e a glorificação, como desfecho da redenção realizada pelo Senhor e que os remidos obterão na vida após a ressurreição.

No meu caso os efeitos da depressão já não podiam mais ser disfarçados: ansiedade persistente em parte provocadas pelo excesso de pancadas por manter posicionamentos difíceis e caros, por muitas expectativas frustradas, por recomeços, auto-sabotagens, por colocar ideais acima de interesses e por estar quase sempre nadando contra a maré (e isso tem muitos preços). Por autocríticas severas (e críticas aos outros também), oscilações na vontade e no humor, repulsa por utopias e por otimismos terapêuticos que as convenções costumam adotar, repulsa por soluções entorpecedoras e por disfarces que têm efeitos imediatistas nos que são dados a soluções rápidas, práticas e fúteis; pelo descrédito a convenções estupidificantes que estão por todo o derredor, e uma relação oscilante e às vezes torturante com o meu próprio trabalho; e as tentativas, por vezes desesperadas, de encontrar equilíbrio e paz em lugares onde deveria-se velar pela verdade, mas que ao contrário, costumam-se adotar as satisfações momentâneas das convenções que eu aprendi a desprezar e que não pretendo desaprender para barganhar algum bem-estar, mesmo que isso esteja me custando caro, pois aprendi que integridade é coisa muito cara. Os íntegros não se vendem.

Some a isso o fato indelével de que sou um pecador, um problema que só será plenamente resolvido na glória. Então, por hora eu sou um fraco, um sujeito de altas aspirações sem que tenha envergadura para o que deseja, alguém que vive em luta constante entre a luz gloriosa que me agracia e as trevas ao meu redor que infelizmente mantém raízes dentro de mim e que, por vezes, podem me influenciar. E eu não as disfarço, o que faz de mim um inconveniente nos clubes que gostam de ostentar aparências. Sobrou-me, então, o limbo de não me enquadrar, para muitos sou um sujeito indesejável, e é inevitável que nas angústias do limbo sejam desenvolvidas marcas como as psicodermatoses e outros efeitos colaterais na psiquê, na carne e nas disposições para prosseguir. Sim, estou ferido, e bastante, mas desistir não é uma opção. As glórias do porvir pulsam diante dos meus olhos que começam a embaçar e das minhas mãos cada vez mais trêmulas.

Mas dirão: "incoerência!" - em clamores abafados e covardes de quem pensa que a redenção feita pelo Senhor faz de nós colunas inabaláveis, como que feitas de mármore imponente, de elevada fortaleza moral e espiritual onde ameaças como as depressões não teriam como vingar. E tal acusação, de fato, parece pertinente e sinceramente seria muito bom se houvesse razão nisso. Mas se lermos a Bíblia direito (ah, os Salmos com sua beleza de expor tantas vezes a alma quebrada do poeta inspirado por Deus e, ao mesmo tempo, expor a fé na fortaleza do Senhor numa coerência que só pode ser compreendida à luz da redenção!) veremos que esse tipo de pensamento e de acusação não passa de verborragia auto-indulgente feita por um hipócrita orgulhoso - hipócrita porque, por definição do Senhor, esse é o termo que descreve aqueles que desenvolveram o hábito de disfarçar suas próprias falhas, fraquezas e pecados (que nos são comuns em todos) com artificialidades que são facilmente aprendidas e adotadas, como encenações, vestes litúrgicas, aparatos institucionais e outras parafernalhas inúteis que o Apóstolo Paulo trata como esterco, mas que funcionam bem para serem usadas como réguas de medir comportamentos e para impressionar e intimidar as outras pessoas e convencê-las de que os portadores de um exibicionismo religioso meramente aparente são entes sagrados que estão muitos degraus acima das demais pessoas nas escalas de iluminação e de santidade, e que por isso merecem reverências, temores e obediências servis, pois se impõem como autoridades inquestionáveis (e gostam muito dessa sensação). Mas são apenas tolos, porque ao imporem glórias às falsidades humanas eles estão usurpando a glória de Deus, fazendo de si mesmos o objeto da sua ira, porque "Deus resiste aos soberbos" e "não divide a sua glória com ninguém". Como disse o Senhor Jesus, esses são sepulcros que por fora ostentam beleza mas que no seu interior escondem morte e podridão. 

Mas Deus não poderia curar ou impedir um crente de ter depressão? Sim, tanto quanto ele poderia curar alguém de astigmatismo, ou de úlceras, ou de unha encravada, ou de pedras nos rins. E se Ele decide não curar isso nunca invalidará as ordens do Evangelho. Portanto, com o corpo quebrado ou saudável, prossigamos servindo ao Senhor, pois o bem mais sublime que me podia ser feito já foi realizado na cruz e, por isso, eu sou dele do jeito que estou.

E glória a Deus por isso!

(Ah, Charles Surgeon, o "príncipe dos pregadores" também sofria de depressão)

"Amados, não estranheis a ardente provação que vem sobre vós para vos experimentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas regozijai-vos por serdes participantes das aflições de Cristo; para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e exulteis. Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória, o Espírito de Deus."

1 Pedro, 4: 12 - 14

"Nós não pregamos a nós mesmos" (2 Coríntios 4: 5), pois somos todos pecadores, em nada diferentes de um mendigo dizendo aos outros onde encontrar o verdadeiro pão.


Uma metáfora: 
Em cada novo embate sofremos novas lesões, ossos são quebrados, dores adicionadas. 
E assim vamos acumulando chagas e cicatrizes até que as forças cheguem no limite. 
Mas parar não é uma opção.

🔹O servo sofredor:

https://atitudeprotestante.blogspot.com/2023/07/o-servo-sofredor.html

🔹Aprendendo com Elias (o profeta do Antigo Testamento que tinha depressão) e com Barnabé:

https://atitudeprotestante.blogspot.com/2023/07/aprendendo-com-barnabe.html

🔹Por que eu sou um cristão?

https://atitudeprotestante.blogspot.com/2015/06/por-que-eu-sou-um-cristao.html


🔹Histórico de dificuldades com igrejas: