Saiba-se que não existe nenhuma bondade natural em nenhum
ser humano. Nenhuma alegria, nenhum amor, nenhuma justiça, nenhuma esperança,
nenhum resquício das qualidades que definem, de acordo com o senso comum, a
nossa humanidade.
O fato é que fomos criados à imagem e semelhança do nosso
Criador e por isso compartilhávamos da sua natureza, dos seus atributos, das
suas qualidades e das suas virtudes. Mas nos rebelamos contra Ele e por
consequência da nossa rebelião, do nosso pecado, fomos banidos da comunhão que
tínhamos com Ele e essa ruptura nos afastou também dos seus atributos como uma
corrente que se quebra ou como um rio que se desconectou da sua nascente. Nos
transformamos em seres vazios da natureza que deveríamos ter, em deformações
daquilo que deveríamos ser.
O pecado que nos caracteriza e que nos perverte é oposto à
santidade que caracteriza quem Deus é. Em nosso estado atual, uma natureza
pervertida, somos o oposto de tudo o que fomos feitos para ser e o Deus que
antes compartilhava conosco diversos dos seus atributos foi transformado, a
partir da nossa obscurecida perspectiva, num completo desconhecido e inimigo
porque o nosso estado de pecado nos faz ter repulsa à sua santidade. De Deus
tentamos nos esconder, sua santidade revela como uma luz poderosa a podridão
que tomou conta da nossa existência e esse nosso decadente estado nos faz
procurar a escuridão da total ausência de Deus para praticarmos os nossos
pecados sem que a luz da verdade divina nos exponha. Em contrapartida ao nosso
pecado, a santidade de Deus é como um fogo purgador que consome o mal, é um
luzeiro que tanto revela a fonte da nossa salvação como também nos revela o
nosso estado decadente. Mas é na sua santidade que está a plenitude de vida que
nós mesmos subvertemos.
Não há nenhum justo sequer. Não existe ninguém que seja
imune ao pecado. Ninguém crê, conhece ou ama a Deus por mérito próprio.
Contudo Deus é gracioso, Ele compartilha, doa, do seu ser, a
fonte de toda vida e de todo o bem, o amor em estado pleno, para que a vida de
suas criaturas caídas desfrutem do bem que dEle provém.
Assim, se nós podemos ter alguma virtude, se uma mãe pode
amar seus filhos, se temos noções de justiça, se podemos plantar e colher, se
existe alguma compaixão, fraternidade ou esperança entre a humanidade não é
porque tais qualidades nos são naturais. Essas virtudes são interferências de
Deus no modo como vivemos, são manifestações da Graça Comum que de Deus
procedem refreando o mal absoluto que nos dominaria por completo caso fôssemos
deixados por nossa conta própria. É Deus quem impede que sejamos os monstros
potenciais que nossa natureza depravada nos faria ser, verdadeiros demônios
ávidos pelo pecado e totalmente possuídos pelo ódio a tudo que representa o ser
divino. É a graça de Deus que nos impede de sermos completas antíteses
miseráveis do que Ele é, e em todos os sentidos, tanto em atributos como em
substância.
Por isso, ainda que alguém não creia em Deus, essa pessoa
pode viver com bastante dignidade, pode amar e ser amado, pode realizar
diversas coisas em sua vida, pode experimentar alegrias e esperanças, pode
entender, ainda que parcialmente, algumas coisas grandiosas como justiça, bem e
ciência, mas todo esse bem só é possível porque o Deus que pode ser
negligenciado por nós nunca negligenciará a dignidade da vida humana que, ainda
que esteja deformada e condenada por causa do pecado, foi criada nos moldes da
mais sublime dignidade por ter sido feita à imagem e semelhança do
Todo-Poderoso Criador.
Mas a Graça de Deus vai além. E um dia ela nos será
tomada...
Além da Graça Comum de Deus, essa manifestação constante que
refreia o nosso mal absoluto natural, Deus tem nos concedido a sua Graça
Salvadora como consequência da vinda de Jesus Cristo a este mundo para, com a
sua própria morte numa cruz, pagar pelas penas dos pecados de muitas pessoas
perante Deus para que essas pessoas sejam inteiramente restauradas à comunhão
com o Criador.
A Graça Salvadora é o que Deus fez na pessoa do Senhor Jesus
para que diversas pessoas dentre toda a história e de todos os lugares desse
mundo sejam reconciliadas com a sua santidade e com todos os seus atributos
numa vitória plena obtida por Cristo sobre todos os efeitos do pecado. Por
isso, por causa de Cristo, nós podemos ser perdoados dos nossos pecados, somos
com Deus reconciliados, somos por Ele transformados, regenerados, santificados
e somos salvos da condenação que virá sobre a humanidade quando, num futuro
breve, Cristo retornar a este mundo para colocar um fim à esta nossa história a
fim de que ela dê lugar ao estabelecimento do seu Reino numa nova e santa
realidade destinada apenas para a sua glória que será eternamente compartilhada
com o seu povo, que são as pessoas que responderam à Graça Salvadora de Cristo
com a fé e baseadas na fé seguiram ao salvador.
Quando Cristo se manifestar num retorno triunfal, este mundo
- como conhecemos - terá seu fim e Ele separará o seu povo de todas as eras das
demais pessoas e instaurará o seu Juízo. A Graça Comum que nos refreia do mal
absoluto será retirada dos réprobos e, nessa manifestação do Juízo Final, todos
eles serão deixados em trevas absolutas, num limbo indescritível e inimaginável
que chamamos de inferno, uma realidade descrita como lugar de choro e de ranger
de dentes e de lago de fogo e de enxofre, porque ali as pessoas - ou os
monstros deformados que sobrarem do que antes eram pessoas - estarão por conta
própria, completamente dominados pela natureza destrutiva do pecado e pela
consequente oposição a todos os atributos de Deus num completo banimento do seu
ser. A retirada de qualquer vestígio do que seja ou represente o Deus revelado
em Jesus Cristo da sua vida é, na verdade, uma realidade que todo pecador
deseja, mas sem que se tenha nenhuma consciência de o quão terrível é continuar
a viver sem a interferência da Graça de Deus e da sua santidade que
constantemente afetam as vidas de todas as pessoas. Quando essa Graça Comum
cessar não haverá mais nenhum amor, nenhuma esperança, nenhuma dignidade,
nenhuma paz, nenhuma alegria, nenhuma virtude. Haverão apenas os opostos das
virtudes divinas e essas "pessoas" serão a antítese completa do que
Deus é. Neste inferno também existirá a eterna consciência de que houve a
consumação da justiça em sua plenitude, restando aos condenados uma eterna
sobrevivência indescritível e agonizante num completo banimento de Deus
marcados por um inconsolável e eterno lamento.