Resolvi postar o meu trabalho de Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade de Teologia - que no Mackenzie recebe o nome de Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI):
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UNIVERSIDADE
PRESBITERIANA MACKENZIE
Escola
Superior de Teologia
JOÃO
EDUARDO DUARTE
RELIGIÃO
E MAGIA NA
IGREJA
CRISTÃ APOSTÓLICA DO BRASIL
SÃO
PAULO
2011
Autoria:
João Eduardo Duarte
Título:
Religião e Magia na Igreja Cristã Apostólica do Brasil.
Trabalho
de conclusão de curso apresentado como parte das atividades para
obtenção do título de Bacharel, do curso de Teologia da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Registro da minha defesa do Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI)
Eu entre os professores que compuseram a banca de exame do meu trabalho de conclusão do curso de Teologia: Antônio Máspoli (orientador), Ricardo Quadros Gouveia e
Lindberg Clemente de Morais - maio de 2011.
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“Dedico
este trabalho à minha família, em especial à minha querida esposa
Jocilene, ao meu filho Leonardo e à minha pequena Ana Cecília, por
me estimularem a ser uma pessoa melhor, um marido, pai, cidadão e
cristão que tem uma participação relevante, mesmo que transitória
neste mundo.”
AGRADECIMENTOS
Agradeço
primeiramente ao meu Deus e Senhor, por ter impresso em minha alma o
desejo pela Verdade e por ter me dado condições de trabalhar por
ela; agradeço à minha querida esposa Jocilene, por ser a grande
estimuladora aos meus estudos e carreira cristã; agradeço aos meus
queridos filhos Leonardo e Ana Cecília pela força que suas vidas me
dão; agradeço aos meus professores que no exercício de seus
ofícios contribuíram para a construção do meu incipiente saber.
Convite para a Formatura
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RESUMO
A
prática religiosa é marcada pela crença e pelas manifestações de
fenômenos místicos que assumem interpretações diversas de acordo
com a diversidade religiosa.
Pretende-se
compreender o que são certos fenômenos, qual a sua natureza e como
ocorrem, uma vez que existe controvérsia dentro do ambiente da
religião cristã acerca da sua validade e autenticidade perante os
registros bíblicos, conforme são tradicionalmente compreendidos.
Nota-se
também que muitos dos fenômenos místicos vistos, especialmente os
vistos na práxis religiosa do caso estudado e que aqui são chamados
de bens simbólicos, têm ampla identificação com os bens
simbólicos presentes em abordagens místicas de práticas religiosas
diferentes da prática cristã tradicional.
O
presente estudo aponta para a possibilidade de certos fenômenos
refletirem não a transcendência ou a interação com realidades
espirituais exteriores, mas sim certas habilidades da psique
humana, pouco conhecidas, mas tão comuns quanto as aptidões
específicas para as artes, para a matemática, para a música, ou
afins.
Palavras-chave:
Misticismo,
Xamanismo, Êxtase religioso, Dons espirituais, Sincretismo,
Pentecostalismo.
ABSTRACT
Religious
practice is marked by belief and by manifestations of mystical
phenomena that take different interpretations according to religious
diversity.
Objective
is to understand what certain phenomena are, which nature is theirs;
and how they occur, once there is controversy among christians about
their validity and authenticity before the biblical registers, as
traditionally understood.
Note
also that many of the mystical phenomena seen, especially seen in
religious practice and that the case studied here are called symbolic
goods have a broad identification with the symbolic goods in these
approaches mystical religious practices differ from traditional
Christian practice.
This
study points to the possibility of certain phenomena reflect not
transcendence or spiritual interaction with external realities, but
certain abilities of the human psyche, little known, but as common as
skills specific to the arts, to mathematics, to music, or the like.
Keywords:
Mysticism,
Shamanism, Religious ecstasy, Spiritual gifts, Syncretism,
Pentecostalism.
“E
graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo, e por meio de
nós manifesta em todo o lugar a fragrância do seu conhecimento.”
2
Coríntios 2.14
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Sumário
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Introdução
Este
Trabalho de Graduação Interdisciplinar pretende estudar a prática
da manipulação dos sobrenaturais religiosos, também chamados de
bens simbólicos, numa comunidade cristã evangélica de abordagem
neopentecostal e comparar tais práticas com as indicações bíblicas
neotestamentárias deste tema.
Pretende
também comparar o caso estudado com os postulados teóricos da
psicologia e da sociologia sobre os bens simbólicos admitindo a
possibilidade de tais bens serem, na verdade, capacidades inerentes
ao ser humano, religioso ou não, e que assumem significado religioso
conforme apresentado dentro de certas práticas religiosas.
Título
do trabalho
Religião
e Magia na Igreja Cristã Apostólica do Brasil.
Delimitação
do tema
O
objeto deste estudo é discutir e compreender o que são os bens
simbólicos vistos no modo como é praticada a religião a partir do
estudo de um caso representativo, de um líder dotado de poderes
místicos para a manipulação da espiritualidade de uma comunidade
religiosa, que compreende esses poderes como evidências da
manifestação de dons e de poderes espirituais e portanto, de
autoridade e manifestação divina.
Tais
líderes, neste trabalho representado pelo apóstolo Arlen
Vilcinskas, possuem, conforme acreditam suas comunidades de fé, dons
de curar; capacidades para fazerem previsões do futuro, revelações
e profecias; seriam instrumentos usados pelo divino para realizarem
libertação espiritual e cura física e se utilizariam da prática
do transe e do êxtase como formas de interação com a divindade.
O
caso estudado é de uma igreja cristã neopentecostal situada no
bairro da Mooca, em São Paulo/ SP que é liderada pelo apóstolo
Arlen. Esta igreja é descendente de uma outra igreja, anteriormente
liderada pelo mesmo pastor Arlen, onde se via frequentemente a
prática de transes coletivos, curas, revelações e profecias.
Assim, esta pesquisa se baseará nas evidências vistas nestes dois
ambientes religiosos, dirigidos pelo mesmo líder através do uso de
seus bens simbólicos.
História
da Pesquisa
Este
pesquisador é praticante da fé cristã e conheceu o seu ensino no
ambiente neopentecostal, onde é enfatizada a busca da experiência
com realidades espirituais e com o Espírito Santo. Essas
experiências seriam evidenciadas pela glossolalia, por visões
espirituais, por revelações, por êxtases (chamados de entrar no
mistério), e teriam efeitos na libertação espiritual, nas curas
físicas e psíquicas e na prosperidade financeira dos fiéis.
Enquanto
esteve inserido neste ambiente, especialmente entre os anos de 1995 e
1997, vivenciando os fenômenos ensinados pela igreja “Época da
Graça”, este pesquisador experimentou a glossolalia, as revelações
e os êxtases e foi agente destes fenômenos nas ocasiões em que
atuou nos serviços religiosos com pregações e orações.
Porém,
em meados de 1996 os fenômenos vivenciados passaram a ser comparados
por este pesquisador com os ensinos neotestamentários e foi
verificada a incompatibilidade da prática espiritual vista com a
prática religiosa neotestamentária. A partir daí este pesquisador
passou a repensar a forma de espiritualidade vivenciada e a apontar o
ensino bíblico nas ocasiões em que participava dos serviços
religiosos.
Em
1997 este pesquisador foi expulso desta comunidade religiosa com o
uso de violência por parte dos seus obreiros que agiam sob ordem da
liderança eclesiástica local. Ao lado de outros dois colegas que
compartilhavam das mesmas opiniões acerca do ensino neotestamentário
sobre os dons espirituais e que freqüentavam a mesma igreja, este
pesquisador respondeu a uma ação judicial por “Perturbação da
Tranquilidade/Ameaça”
(acusações fraudulentas),
tendo sido todos inocentados.
Desde
então, este pesquisador tem procurado compreender o que são os
fenômenos vistos em certos ambientes religiosos, amostrados nos bens
simbólicos da práxis religiosa da igreja “Época da Graça” e
especialmente vistos na pessoa de seu líder eclesiástico.
Objetivos
Objetivo
geral
Levantar
dados que colaborem para distinguir os chamados dons espirituais
descritos no Novo Testamento daqueles fenômenos aparentemente
sobrenaturais e que não correspondem ao ensino escriturístico e
apontar possibilidades para a compreensão desses fenômenos.
Objetivos
específicos
Especificar
o que são os bens simbólicos, chamados de dons espirituais no Novo
testamento, conforme registrados no Evangelho de Marcos e nos livros
de Romanos, I Coríntios e Efésios.
Analisar
os bens simbólicos praticados na Igreja Cristã Apostólica do
Brasil considerando-a como uma extensão da Época da Graça.
Comparar
a prática de manipulação, controle e interação dos bens
simbólicos na Congregação Cristã na Mooca com o ensino
neotestamentário conforme entende a tradição reformada.
Compreender
o fenômeno dos bens simbólicos vistos na prática religiosa do
apóstolo Arlen Vilcinskas, líder da igreja Cristã Apostólica do
Brasil, considerando outras áreas do saber além da teologia, tais
como a psicologia e a sociologia.
Analisar
os bens simbólicos considerando a possibilidade de serem
habilidades humanas aéticas comparáveis a outras habilidades
humanas diversas, tais como as habilidades para as artes, para a
matemática ou para a música.
Considerar
a possibilidade de certos fenômenos serem, na verdade,
acontecimentos comuns e humanos em vez de espirituais.
Problemas
Como
estudar a experiência religiosa de alguém, quando a experiência é
pessoal e portanto subjetiva?
Como
adequar a experiência religiosa cristã contemporânea ao contexto
neotestamentário?
Caso
certos poderes espirituais sejam meras capacidades humanas, que
efeitos tal distinção provocaria na religião e mais
especificamente na igreja cristã?
Hipóteses
Esta
pesquisa parte da premissa da existência da espiritualidade e de
realidades espirituais como a existência de Deus, de seres
espirituais e da interação entre estes seres e realidades com a
realidade humana, mas considera que nem tudo o que é popularmente
acreditado como espiritual pode ou deve ser considerado espiritual
de fato. A Bíblia será autoritativa para discernir os diversos
tipos de bens simbólicos.
No
ambiente religioso cristão parece ser predominante a ideia de duas
fontes de poderes sobrenaturais religiosos, sendo uma a divina – a
que distribui dons ou poderes à Igreja -; e a outra demoníaca –
a que distribui poderes sobrenaturais da falsa religião -. Assim é
crido e ensinado na igreja Cristã Apostólica do Brasil. A hipótese
deste estudo é a existência de uma terceira fonte de capacidades
consideradas sobrenaturais e esta seria talvez a fonte mais comum
dessas capacidades: uma capacidade natural humana tal como qualquer
outra habilidade e que teria uma conotação espiritual por causa da
pouca compreensão dessas capacidades por parte dos religiosos.
Os
dons espirituais relatados no Novo Testamento bíblico seriam
conseqüentes da conversão ao Evangelho e seriam ferramentas para o
exercício da fé cristã no serviço à Igreja e ao mundo. Seriam,
portanto, poderes sobrenaturais derivados da vida religiosa e por
isso não seriam naturais do homem, mas decorrentes exclusivamente
da conversão e distribuídos pelo Espírito Santo.
Algumas
pessoas possuiriam capacidades especiais inerentes que seriam
facilmente confundidas com poderes espirituais. Tais capacidades
seriam notadas antes da adesão ou conversão à alguma religião, e
poderiam ser descobertas e estimuladas dentro de algum ambiente
religioso.
Justificação
A
necessidade de discernir os bens simbólicos bíblicos dos
não-bíblicos.
As
habilidades que certas pessoas têm de interagir com realidades
diferentes da realidade comum de experimentações sensoriais tendem
a autenticar tais pessoas perante comunidades religiosas como
portadoras de dons ou de poderes espirituais e nem todas essas
habilidades seriam de natureza espiritual (se considerarmos a Bíblia
como parâmetro), podendo ser habilidades meramente humanas, ainda
que incomuns ou especiais.
Assim
se for possível que se faça uma clara distinção e classificação
entre as capacidades inerentemente humanas de experimentações
sensoriais das experiências religiosas de fato, seria então
possível discernir e compreender a fonte e a natureza de certos
poderes acreditados por diversas comunidades religiosas.
O
dualismo das fontes (do bem ou do mal) teria que ser revisto na
prática cristã por conta da possibilidade humana e aética de ter
em si alguma capacidade sensorial apurada que levasse à prática de
visões, revelações, alguns tipos de curas, etc. Sugere-se, então,
a desmistificação de certas habilidades sensitivas, aparentemente
espirituais que algumas pessoas possuem e que comumente são
utilizadas na prática religiosa em distinção daquelas habilidades
não naturais dos homens e que alguns recebem como resultado de
conversão religiosa (no caso, cristã) acompanhada de uma
transformação de seus valores e mudança de conduta de forma
condizente aos preceitos religiosos conforme descritos nas
Escrituras.
Apontar
possíveis efeitos da atuação humana em lugar da divina.
A
religião cristã passa por crises. A religião que tem origem no
próprio Deus encarnado que viveu entre os homens para ensiná-los
sobre a verdade divina e para resgatá-los para o seu Reino sob o
preço de sua própria morte seguida de sua ressurreição e assunção
parece, muitas vezes, caminhar na história como se não tivesse um
Pastor.
São
os homens e suas ações que temos visto marcar a história da
Igreja.
Não
é exclusivamente ao ensino do seu Senhor que a religião cristã dá
ouvidos. Ao ensino de Cristo, muitas vezes, a igreja acrescenta
diversas outras vozes e influências, passando a ser uma religião
praticada de maneiras muito diferentes de um lugar para outro, de uma
comunidade para outra. Às vezes, certas crenças e práticas são
opostas entre si, pois enquanto que numa corrente cristã certos
fenômenos são cridos, noutra são desprezados.
À
crise moral, à indiferença ao mundo à sua volta e à irrelevância
comum de muitas comunidades cristãs pode-se somar o problema de uma
espiritualidade que não se enquadra no ensino neotestamentário,
espiritualidade essa que é marcada por influências diversas, pelo
sincretismo religioso e pela ignorância do ensino do Senhor da
Igreja.
Por
isso, este trabalho pretende discutir, por meio de um exemplo, de um
caso, a prática religiosa em certas correntes ditas cristãs para
compreender se tais práticas são correspondentes ao ensino bíblico
ou se elas se enquadrariam em outras categorias religiosas; se seriam
fruto de uma ação genuinamente espiritual ou se seriam o resultado
de certas habilidades humanas pouco compreendidas, mas muito
utilizadas na história humana nos diversos contextos religiosos como
um meio de dominação.
Fundamentação
Teórica
A
figura do Xamã ,
o místico que
está presente em diversas culturas com diferentes nomenclaturas, é
quem organiza a compreensão do mundo em sua cultura e é quem
sacraliza a realidade dando sentido, originalmente, às sociedades
primitivas. O xamanismo seria uma das técnicas arcaicas de êxtase
ao mesmo tempo em que seria magia e religião.
Os
usos do êxtase, das releituras espirituais da realidade e o modo
como o Xamã se apresenta à sua comunidade como mediador de
realidades espirituais e realidades materiais, servirão de parâmetro
na análise do caso estudado.
Também
se verifica que o homem é naturalmente religioso e mítico .
Ele
faz releituras constantes dos seus sistemas de crenças adequando-as
aos novos contextos em que está inserido. Assim, poderia-se admitir
que as novas formas de religiosidade evidenciariam uma velha
necessidade humana de uma busca constante de sentido atrelado a
experimentações sensoriais e isso poderia contribuir na compreensão
do fenômeno estudado, em que se reivindica a verdadeira revelação
divina por meio de misticismo, êxtase, religiosidade e os novos
mitos modernos.
Uma
razão considerada para as releituras dos movimentos religiosos é a
sua reinterpretação
a partir da atuação de líderes messiânicos, de profetas da
libertação e do sincretismo religioso provocado pela fusão de
uma religião imposta pelo colonizador ou por uma cultura dominante
com as antigas crenças locais. Estes fenômenos levariam a
releituras religiosas onde o antigo sistema daria lugar a um novo
sistema singular que apontaria para necessidades bem específicas e
seria liderado por figuras messiânicas que tendem a se tornar
míticas. É um sistema religioso que depende da figura de seu líder
carismático.
Apesar
das reinterpretações religiosas e das transformações da religião
sofridas por diversos motivos (mudanças de costumes conforme a
época, sincretismos, diversidade de vertentes filosóficas, etc)
crê-se, conforme ensina a visão reformada da teologia cristã, na
autoridade dos registros bíblicos para questões de fé e de prática
e por isso, crê-se
que tais registros forneçam diretrizes confiáveis acerca de uma
expressão religiosa adequada além de apontar para os verdadeiros
bens simbólicos do cristianismo.
Procedimentos
metodológicos
Uso
do Método Fenomenológico – descrição do fenômeno tal como se
apresenta.
Uso
do Método de observação participante – interação com o
fenômeno visando sua compreensão “de dentro para fora”.
Estudos
de livros que tratam deste assunto – bibliografia.
Estudo
de textos do Novo Testamento Bíblico.
Para
o uso dos métodos apontados (Fenomenológico e Observação
Participante), este pesquisador esteve presente ao cultos realizados
pela comunidade religiosa estudada nos dias 2 de novembro de 2010 e
nos dias 5 e 12 de abril de 2011.
Capítulo
1 – As manifestações espirituais e os portadores do poder.
A
primeira coisa a ser feita é compreender o que se pretende dizer com
os termos manifestações
espirituais
e portadores
de poder.
Sobre
manifestações
espirituais
pretende-se apontar para certos fenômenos que são convencionalmente
acreditados pelos fiéis de alguma comunidade religiosa como
evidências daquilo em que acreditam e que são interpretados à luz
da convenção adotada.
Tais
manifestações podem ser percebidas na interação das realidades do
plano espiritual com o plano físico, a transcendência,
o que, para James Frazer ,
caracterizaria
uma religião, um fenômeno coletivo e público praticado por homens
que se veem impotentes perante as forças da natureza e que se unem
para agradar a divindade a fim de alcançarem o seu favor. Para ele,
existiria um antagonismo entre religião
e magia,
pois os poderes espirituais mantenedores da natureza, para a
religião, não pertenceriam a ela, seriam transcendentes; enquanto
que na magia crê-se que esses poderes espirituais seriam imanentes,
fazendo parte da essência da natureza e por isso poderiam ser
manipulados e sofrer intervenção humana.
Mas
a religião não está isenta da magia e elas não podem ser
separadas, como observou Marcel Mauss e Henri Hubert,
pois a
maior parte das religiões conhecidas contêm elementos mágicos e se
utiliza da magia ao mesmo tempo em que toda magia faz apelo às
divindades sobrenaturais.
Assim,
na religião os homens se reúnem em torno da crença em forças
exteriores à natureza e mais poderosas do que eles a fim de
agradarem a divindade a quem pertenceriam essas forças e assim
alcançarem o seu favor. Enquanto que na magia desenvolvem-se
maneiras de manipulação das forças que regem a natureza, e, no
pensamento de Mauss e Hubert, a religião estaria amalgamada com a
prática da magia a fim de que os homens alcancem o que desejam.
Pretende-se nesses casos manipular a divindade e isso seria magia
praticada dentro da religião.
Mas
a manipulação dos meios que influenciam as ações da divindade a
fim de se alcançar o seu favor só podem ser operadas por pessoas
qualificadas, e que correspondam a certos pré-requisitos
estabelecidos e que podem ser autenticados pela própria comunidade
de fé. Por isso, Mauss aponta que a magia nunca é criação de um
homem só, mesmo quando praticada individualmente, pois ela está
baseada em crenças coletivas. O que confere sentido ao rito ou magia
praticada pelo mágico é a própria sociedade. Do mesmo modo,
Lévi-Strauss
demonstra que o mágico não inventa os ritos, ele age conforme os
poderes que a sociedade lhe atribui;
nem sempre o mágico é consciente desses poderes, pois eles residem,
na verdade, nas interpretações e nas crenças da sociedade. Assim,
as crenças são a priori
e o poder para a manipulação do que se acredita serem realidades
espirituais na prática da magia são reconhecidos no mágico a
posteriori.
Assim, se a natureza da divindade for espiritual, o mágico tem que
ser alguém que tem acesso à transcendência de acordo com o que
está convencionado como sinais da transcendência e que sirva como
um elo entre os mundos físico e espiritual, sendo também um
místico, alguém que opera entre duas realidades muitas vezes
através do êxtase.
Este
operador entre os mundos físico e espiritual provavelmente seria
identificado como um Xamã por Mircea Eliade .
O
xamanismo está presente nas mais variadas culturas, e refere-se às
diversas crenças religiosas “primitivas”, possuindo
nomenclaturas diversas conforme a diversidade cultural em que está
inserido. O Xamã seria alguém predestinado pela divindade para o
ofício religioso tribal, e esta vocação seria evidenciada a partir
de uma experiência de êxtase espiritual, na maioria das vezes
ocorrida em meio a uma enfermidade, em que o futuro Xamã faria uma
incursão mística no além ou visitaria lugares distantes ao ter a
sua alma desprendida do corpo. Após tal experiência, o candidato a
Xamã seria reconhecido efetivamente pela sua sociedade como Xamã,
após o reconhecimento de suas credenciais, os bens simbólicos
percebidos a partir de suas experiências extáticas, onde ele seria
dotado de certos poderes místicos como os transes em que sua alma,
conforme se crê, deixa o corpo para fazer ascensões celestes ou
descensões infernais. Tais viagens por mundos espirituais
confeririam autoridade espiritual ao Xamã perante a sua comunidade,
pois fariam dele o portador da sabedoria espiritual além de o
credenciarem para a realização da magia, dos feitiços, das curas e
de promover o êxtase religioso nas atividades religiosas tribais.
Por possuir os bens simbólicos e por ser o detentor das técnicas do
êxtase, o Xamã era reconhecido como líder da religião praticada
em sua sociedade.
Neste
sistema “primitivo” foram definidos os critérios que outorgam a
alguém o poder de agir e de ser crido como um místico que atua na
interação das realidades espiritual e física. O Xamã possui
certos dons que a sua comunidade reconhece como autoritativos para a
prática religiosa e ele próprio se torna uma autoridade que confere
sentido ao mundo. Ele é o mágico capaz de interferir na natureza e
é o místico capaz de operar a transcendência.
Roger
Bastide
afirma que o misticismo, esta interação das realidades espirituais
e físicas com efeitos perceptíveis para quem as experimenta,
está presente no cerne das religiões a ponto de subentender-se o
qualitativo religioso quando se fala em misticismo. Mas Bastide
aponta para uma ampla possibilidade de misticismos, de experiências
extáticas, de contemplações e devoções que não ocorrem
exclusivamente dentro do ambiente religioso ou da magia. Outros tipos
de misticismos são possíveis a ponto de serem provocados êxtases
nos mais variados contextos assim como são vistos os êxtases nos
ambientes religiosos e, portanto, os bens simbólicos interpretados
dentro das práticas religiosas como evidências de transcendência
espiritual podem, em outros contextos, adquirir significados
diferentes, meramente humanos. Nesses casos, a experiência mística
seria exclusivamente uma atividade humana.
Para
incluir outras atividades além da religiosa na experiência mística,
Roger Bastide define misticismo assim:
No sentido próprio do termo, o misticismo
é uma transformação da personalidade, que se esvazia de seu ser
próprio, de seus instintos, de suas tendências distintivas, para de
certa forma sair de si mesma e comungar com o objeto de sua adoração.
Essa experiência vivida pode igualmente se traduzir em termos
intelectuais: se todo conhecimento supõe uma relação entre um
sujeito e um objeto, o sujeito conhecedor e o objeto conhecido, o
misticismo irá eliminar o primeiro desses dois termos; o sujeito que
contempla se identifica plena e inteiramente com a coisa contemplada.
(Bastide 1997, 14)
Assim,
a experiência mística é marcada pela devoção do sujeito a algo a
ponto de o sujeito anular-se perante o objeto da sua devoção a fim
de enaltecê-lo em detrimento de si mesmo, o que poderia resultar em
êxtase no sujeito devotado. Tal relação não está restrita à
prática religiosa, mas pode abarcar todas as atividades humanas como
as artes, a matemática, a filosofia ou ainda ser resultado de
doenças neurológicas e mentais ou de fadiga .
Se um músico (conforme o testemunho de
Mozart) ouve simultaneamente uma sinfonia inteira na idéia soberana
que constitui sua alma única; se, para um matemático como
Descartes, o uso prolongado das revisões de conjunto e das
enumerações completas liberta o espírito e o conduz a intuições
simples que abrangem num só olhar uma cadeia de demonstrações; se
o filósofo encontra a recompensa de uma vida de labuta na posse,
afinal conquistada e familiar, de um pensamento já entrevisto e mais
fecundo pelo fato de ser mais uno; se o homem que meditou e praticou
dia e noite a doce lei do Senhor identificou-se com ela a ponto de
trazê-la dentro de si feito um novo sentido dotado de delicadíssimas
antenas, não será tudo isso – que é de ordem natural, de ordem
intelectual, de ordem moral – acaso a expressão desse conhecimento
e conaturalidade?
(Bastide 1997, 14)
Se o
êxtase e a experiência mística forem experiências freqüentes e
meramente humanas, que independem da transcendência – mas a
incluem - e que podem ocorrer e ser interpretados de acordo com os
diversos contextos da atividade humana, religioso ou não, embora
“sejam
proveitosos por levarem à magnífica exaltação do ser, ao
sentimento de uma plenitude de vida que nos eleva acima deste mundo
terra-a-terra e cotidiano”,
como afirma Delacroix 9;
pode-se deduzir que a experiência pode preceder a transcendência e
neste caso, o fenômeno pode ocorrer antes e portanto ser informe e
indefinido até que a explicação posterior elaborada pela sociedade
ou pela comunidade religiosa seja apresentada depois do fenômeno,
interpretando-o conforme quiser interpretar, dando-lhe forma e
definição. Ou seja, seria possível a existência de certas
experiências extáticas ou místicas e essas experiências não
terem ligação com realidades espirituais por serem experiências
meramente humanas, pertencentes ao plano natural e a prática
religiosa pode impor certos significados a essas mesmas experiências
conforme lhe aprouver, como se elas fossem legitimamente religiosas.
Nesse caso seria dada a conotação de transcendência a um fenômeno
não transcendente, embora fosse um fenômeno místico legítimo.
Poderia-se deduzir também que nem todo fenômeno místico ou
extático é também um fenômeno transcendental ao passo que não
necessariamente o fenômeno transcendental implicaria num fenômeno
místico ou extático por causa da sua natureza espiritual e
supostamente superior à natureza física, e por ser superior, não
seria adequado fechar as possibilidades quanto aos modos com que a
transcendência se evidencia, pois levantaríamos hipóteses sobre
realidades superiores a partir de um plano natural limitado. Por
isso, quanto aos efeitos da manifestação da transcendência, se ela
provoca êxtase ou não, recorreremos à autoridade bíblica para a
busca de evidências, pois parte-se da premissa de sua autoridade
acerca das realidades espirituais.
Dentro
do ambiente religioso cristão, em que se confessa a crença no texto
bíblico, existe ampla diversidade no modo com que se interage com as
realidades espirituais descritas neste mesmo texto. Assim, no
ambiente do evangelicalismo pentecostal um dos sinais perceptíveis
do contato com o universo espiritual e evidência de transcendência
é a glossolalia,
a prática do falar em línguas estranhas. Lopes
cita Peter Wagner
para afirmar que esta evidência
marcaria o movimento carismático dos anos 1960 e 1970, e que esta
seria a “segunda” onda do Espírito. Esta onda seria sucessora da
“primeira”, onde teria surgido o movimento pentecostal clássico
no início do século XX em Los Angeles. Nos anos 1990 teria havido
uma “terceira” onda, caracterizada por um avivamento espiritual
visto nas manifestações divinas nas curas, nas revelações, nas
palavras de conhecimento, nas profecias, nos milagres e nas reações
físicas de quem sente a presença divina nos cultos. Estas
características seriam marcas do reconhecimento da atuação divina,
um envolvimento místico comprovado nos bens simbólicos dessas
comunidades de fé, e as pessoas dotadas desses bens de forma mais
perceptível e contundente tendem a ser reconhecidas como líderes
espirituais, por elas serem as portadoras do poder ou os mágicos
capazes de realizar a magia como agentes da transcendência,
promotoras do sobrenatural, do miraculoso e do extraordinário.
Capítulo
2 – A espiritualidade na Igreja Cristã Apostólica do Brasil.
História
mítica fundante.
Por
causa das características que categorizam as igrejas pentecostais, a
igreja que é o tema desta pesquisa, igreja
Cristã Apostólica do Brasil,
se enquadra no perfil das igrejas neopentecostais. Esta comunidade
religiosa é marcada pela prática de revelações, profecias, visões
e curas espirituais, presentes destacadamente na atividade de seu
líder.
Entre
os anos de 1995 e 1997, este pesquisador já havia tido contato com a
prática religiosa do então presbítero
Arlen quando ele liderava uma outra igreja no bairro da Vila
Prudente, em São Paulo, capital. Quanto à mudança da nomenclatura
de pastor
para presbítero,
ele teria recebido uma revelação divina em meados de 1997 ordenando
a troca do seu título de pastor e de todos os componentes de sua
equipe pastoral para o título de presbítero e a razão dessa ordem
espiritual seria a existência de somente um pastor da igreja, que
seria Jesus. Tal revelação teria sido recebida com naturalidade por
esta comunidade de fé, pois seu líder apregoava em seu púlpito que
aquele era um ministério profético, onde o próprio Espírito de
Deus falava por meio de revelações e profecias em vez do homem com
sua sabedoria humana.
Nesta
igreja, no ano de 1998, foi publicada uma edição de uma revista
distribuída entre os fiéis que se chamava Revista
Época
e que trazia fotos
do seu líder estampada nas quatro faces da capa. Também dentre as
trinta páginas da revista, treze diziam respeito à vida e ao
ministério do Pb. Arlen, com três das matérias lhe dizendo
respeito: uma sobre a história de sua vida (Documento
histórico Época da Graça),
uma sobre a sua visita ao então jogador de futebol conhecido como
Palhinha,
na Espanha (Pb.
Arlen na Espanha)
e uma matéria com o testemunho de uma fiel em gratidão ao Pb. Arlen
(Obrigado,
Pb. Arlen).
A
matéria Documento
histórico Época da Graça
foi
uma entrevista concedida pelo Pb. Arlen a um entrevistador não
identificado onde é relatado o seu histórico de vida, sempre
envolvido com a atividade religiosa, desde os dois anos de idade
quando seus pais iniciaram sua carreira cristã em meio a muitas
dificuldades. Sua experiência religiosa foi marcada por visões
espirituais desde a infância, conforme os trechos dos relatos que
foram transcritos a seguir:
Meu chamado profético foi quando eu era
ainda muito criança.
Nesta época, sem amigos, sem nada, morava
não mais na gruta, mas no meio do mato, numa casa de sapé, um fogão
à lenha, chão de terra, onde a jararaca, cobra coral passavam no
meio das nossas pernas.No meio da noite a gente acordava com cobra
dormindo no canto da cama.
Lembro-me que nesse tempo eu comecei a
sentir muita fome e não tinha o que comer, então apareceu um homem
todo de branco que começou a brincar comigo e eu com ele. Até
aquele momento eu não sabia que era um anjo de Deus, ele me chamou,
e eu fui com ele, quando então, ele abriu com a mão o mato e disse:
- Pegue esses ovos.
Havia muitos ovos e eram enormes. De que
ave eram até hoje eu não sei. Os ovos eram tão grandes que o anjo
teve que me ajudar a carregar. Eu trouxe dúzias de ovos.
Minha mãe não viu o homem de branco, ele
tinha desaparecido. Ela me perguntou de onde eu tinha trazido aqueles
ovos. Os ovos nos alimentaram por quase uma semana. p.4
A
experiência descrita na entrevista concedida pelo Pb. Arlen à
revista de sua igreja descreve fenômenos equivalentes a um mito
fundante onde o herói em sua fraqueza é agraciado por divindades
com favores especiais e é transformado num profeta, ou um tipo de
Xamã. Na mesma entrevista são reveladas outras experiências
místicas a partir dos seis anos de idade:
Havia também um menino que vinha brincar
comigo no meio do mato, ele me chamava para ir com ele e quando ele
me puxava para dentro do mato, parávamos num lugar com muitos lagos,
era tudo muito lindo e eu brincava naquele lago. Tinha também uma
fonte muito bonita e quando eu contava para os meus pais sobre essa
fonte ninguém acreditava. Fui
entender muitos anos depois, porque eu só tinha seis anos de idade
quando tudo isto aconteceu.
Comecei a ter visões, e então minha mãe percebeu que alguma coisa
vinha do céu. p.4
Arlen
e o seu ministério profético aos dez anos:
Aí vieram as profecias que Deus tinha
ministério na minha vida. Os anjos também continuavam a conversar
comigo, até que um dia o Senhor me batizou com o dom de profecia.
Nós estávamos numa sala orando e eu comecei a dar a primeira
profecia e ela se cumpriu. Aí eu peguei o sabor do jejum. Com 10
anos eu jejuava de 12 a 24 horas. Eu já amava jejuar porque sabia
que Deus respondia e quando eu dormia os anjos vinham conversar em
sonhos e visões. p.5
Casos
de arrebatamento na infância e na adolescência:
Numa certa ocasião em Santo André, meu
pai e minha mãe foram a uma casa que tinha uma igrejinha num quintal
e havia muitas crianças. Eu me reuni com aquelas crianças e nós
fomos orar. Quando terminou a reunião, os pais estranharam aquele
silêncio, aí perceberam que nós estávamos desmaiados – eu não
me lembrava se estar desmaiado – minha mãe PE que me contou esta
história e os pais batiam no rosto de seus filhos para tentar
acordá-los. O que havia acontecido é que um anjo veio e nos
arrebatou. O impressionante é que quando despertamos, todas as
crianças contavam as mesmas coisas que o anjo havia mostrado. E tudo
o que o anjo nos mostrara, se cumpriu. p.7
...
Na minha adolescência, houve uma época em
que eu andava muito desanimado, pois era só igreja de manhã, de
tarde e de noite, não podia fazer nada errado, pois eu era muito
fiscalizado e muito cobrado e não agüentando a pressão pensei em
desistir de tudo. Fui me deitar e fui arrebatado. Deus me levou num
prédio de vidro e de cima eu via a terra podre e o céu escurecia
como se fosse chover, deu um trovão tão forte e desceu uma coluna
de fogo do céu até a terra e quando desceu esta coluna no meio do
trovão eu escutei assim: - Eu sou o Senhor teu Deus.
“Neste ponto da entrevista eu e o Pb.
Arlen estávamos de frente para a janela de sua sala, quando houve um
raio que cortou o céu de cima a baixo e depois de alguns segundos,
um estrondo muito forte de trovão – era como se Deus confirmasse
através de um sinal – foi incrível a unção que tomou aquela
sala, comecei a chorar.” (relato
do entrevistador – anônimo) p.8
As
curas divinas, expulsões de demônios e ressurreição:
Entre 15 e 16 anos... nós conhecemos uma
senhora chamada Sebastiana que se converteu e eu comecei a pregar em
sua casa... paralíticos levantavam, cegos viam e Deus começou a
desenvolver meu dom. Chegou a ter 300 pessoas na casa dessa irmã. Os
demônios caíam pela janela e por misericórdia de Deus, dava conta
de todos... tinha apenas 16 anos, e muitos pastores estavam querendo
ficar com aquele ministério. Foi nesse lugar que o vizinho que havia
morrido, ressuscitou – e quando o caixão chegou o morto já estava
em pé...
...
Nós estávamos num culto quando eu ainda
estava sozinho sem pastor, aí uma mulher chegou desesperada pedindo
para que alguém fosse orar pelo seu pai. Eu fui, só que pensei orar
por um doente, mas qual não foi meu espanto quando percebi que as
velas estavam acesas, o defunto já estava duro, e o caixão já
estava chegando. Era um velho de aproximadamente 70 anos, e quando o
vi ali morto, fiquei assustado, me virei para ir embora, quando o
Senhor me disse: “Dobra o teu
joelho e ora”, dobrei o meu
joelho perto do defunto, e falei ao Deus que ressuscitou Lázaro –
Faça a obra Deus! Soprei sobre o defunto e disse para a filha
daquele homem: - daqui a pouco
ele vai levantar. Ela riu, pois
aquelas palavras saíam da boca de um moleque. Quando voltei ao
culto, começou uma grande gritaria, gente correndo para todos os
lados, o caixão entrando, o caixão saindo, aquele homem de 70 anos
de idade abriu a porta do quarto e perguntou bravo o que era aquela
gente toda na sua casa, e aquele caixão. Enfim depois de dois
minutos que eu havia saído, Deus levantara aquele homem. Foi um
momento demasiadamente marcante para o meu ministério. p.8
...
Os cultos eram lotados. Paralíticos
andavam, pessoas vomitavam gilete, cabelo. Quando eu orava, as
pessoas viam baratas andando nos cabelos sem existir. Certa vez,
entrou uma mulher (parecendo estar grávida) enquanto eu orava, ela
expelia uma vela. Tinha sido uma obra de macumbaria. Pessoas
vomitando câncer... p.6
A
revelação da morte do Deputado Ulisses Guimarães:
Outra revelação que me marcou bastante
foi sobre o Ulisses Guimarães. Dias antes da sua morte estávamos na
igreja e Deus me trouxe uma visão: Eu via águas e um grande
político caindo em uma aeronave nestas águas e morrendo e não se
achando o corpo. Cumpriu-se esta profecia poucos dias depois. p.8
A
revelação da morte de Ayrton Senna, corredor de Fórmula 1:
...e de repente o teto veio sobre mim como
se fosse uma nuvem, e no meio da nuvem apresentou-se-me uma visão.
Eram 2 carros, ao lado dois capacetes de corrida e a palavra morte.
Depois eu vi um lugar com árvores, era uma casa ou mansão e dois
portões se abriram. Saindo dali dois caixões e um carro fúnebre,
com duas prateleiras,um caixão ficou em cima e outro embaixo. Um
deles foi enrolado com a bandeira do Brasil e outro com uma outra
bandeira. Nisso eu vi uma grande multidão seguindo um carro de corpo
de bombeiro indo para um cemitério que na época falei que lembrava
o cemitério do Morumbi... Não se passaram dois meses e vinha a
acontecer o falecimento do Ayrton Senna. p.8
A
matéria intitulada “Pb.
Arlen na Espanha”
traz o testemunho do jogador
de futebol Palhinha,
que jogava na época no Real
Mallorca,
um time espanhol. Nesta matéria estampada com a foto do Palhinha ao
lado daquele que ele chamou de “meu
conselheiro espiritual”,
o jogador afirmou que “Deus
fala através do Arlen” e
que
seu filho André, então com 9 anos, estaria vivo “graças
a Deus e através da intervenção do Arlen”,
pois teria sido curado de uma grave enfermidade na coluna vertebral
conforme o seu conselheiro havia apontado. Palhinha disse não querer
que se refiram ao Arlen como bruxo, “porque
na realidade ele é uma pessoa que está muito próxima de Deus”
e que teria recebido uma revelação do Arlen a respeito da sua
contratação por uma equipe européia “de
uma ilha e com camisa vermelha”
e ele estaria num clube espanhol em conformidade com a revelação
recebida.
A
matéria intitulada “Obrigado,
Pb. Arlen”
traz
o testemunho de uma fiel chamada Carminha,
que teria acompanhado o ministério do Arlen desde quando ele tinha
13 anos, tendo sido ele o responsável pela sua conversão à fé
cristã do espiritismo além de ter recebido dele diversas revelações
e curas. Carminha afirmou ser testemunha de milagres operados por
Deus através do Arlen.
...
As
características da prática religiosa do ex Presbítero
e agora Apóstolo
Arlen serão examinadas conforme as considerações já apresentadas
sobre a prática religiosa baseada no misticismo, no êxtase e nos
bens simbólicos notados na pessoa do mágico xamânico. Poderiam
tais características estarem presentes e serem sincréticas a uma
prática cristã atual?
Descrições
do ambiente religioso e do culto.
Como
parte de um dos métodos adotados para a análise do caso estudado,
observação
participante,
este pesquisador esteve presente algumas vezes à Igreja
Cristã Apostólica do Brasil,
atual igreja do agora apóstolo
Arlen Vilcinskas, situada no bairro da Mooca, em São Paulo, capital.
Segue-se
uma descrição do espaço físico e dos acontecimentos vistos:
Espaço
físico:
O
salão de culto da igreja é amplo, com formato retangular, com
entrada por um dos lados menores. O púlpito é posicionado ao centro
de um dos lados mais compridos, de modo que as fileiras de bancos de
madeira se posicionem em direção ao palco, ficando os fiéis
focados no dirigente do serviço religioso, que detém toda a atenção
durante os cultos.
As
paredes ao fundo do palco são verdes e decoradas com elementos
simbólicos do judaísmo como um grande candelabro de madeira e um
quadro na parede representando o tabernáculo judaico com uma nuvem
de fogo sobre ele. Esta decoração comunica religiosidade ao
recinto, com suas referências ao judaísmo do Antigo Testamento e às
manifestações do poder divino. Não foram identificados os símbolos
típicos do cristianismo, como a representação da cruz, do peixe,
ou de outras figuras simbólicas que frequentemente adornam igrejas
cristãs. Na mesma parede estão afixados dois grandes quadros
brancos emoldurados, um em cada extremidade do palco, onde são
projetadas, em meio a figuras de campos, montes, ovelhas e céus, as
letras dos cânticos entoados além dos avisos às pessoas sobre
outras atividades semanais da igreja e os textos bíblicos lidos
durante o culto. Posicionado exatamente atrás do púlpito, há um
grande espelho com dimensões semelhantes às de uma porta. Do lado
oposto ao palco estão algumas colunas na cor roxa e uma plataforma
com uma cabine onde um funcionário controla o som dos microfones, os
play-backs,
as projeções no data-show
e faz as gravações das mensagens proferidas nos cultos para serem
vendidas a quem se interessar.
Vestuário:
Não
existe regulamentação quanto ao tipo de vestimentas que os
freqüentadores dos cultos devem trajar, com a excessão do uso de um
véu branco com rendas usado pelas mulheres sobre as suas cabeças
assim como é usado pelas mulheres da igreja Congregação
Cristã no Brasil.
Algumas vezes os dirigentes masculinos utilizavam terno e gravata,
noutras vezes usavam roupas informais. Também as vestes femininas
eram diversas, desde o uso de saia ao uso de calças, tênis e
moletons.
Em
certa ocasião, já próxima ao final de um dos cultos assistidos por
este pesquisador, o apóstolo
Arlen ordenou a uma das mulheres presentes no culto que colocasse o
véu sobre a cabeça porque este acessório teria um mistério
com as mulheres que o usam e portanto esta mulher seria mais
abençoada.
O texto bíblico que referenda o uso do véu
foi projetado no telão em certos momentos dos cultos .
Liturgia:
O
culto costuma começar por volta das 19:30h com a oração de um dos
pastores que compõem a direção da igreja, onde é pedido a Deus
que abençoe o culto e as pessoas presentes, que manifeste o seu
poder e que revele a sua palavra profética, trazendo cura, salvação,
libertação e prosperidade por meio do seu servo, o apóstolo
Arlen.
O
salão de culto fica repleto de pessoas, mas não como nos tempos em
que o Arlen era o líder religioso da Época
da Graça,
pois durante todas as reuniões ainda existiam lugares vagos nos
bancos – coisa difícil na Época,
onde para assegurar assento, as pessoas tinham que chegar com
antecedência.
Música:
Após
a oração inicial, o serviço religioso passa a ser dirigido por um
cantor de músicas com temática religiosa conforme as crenças
compartilhadas naquela comunidade, sendo o fundo musical uma gravação
tocada por play-backs.
Não há um grupo musical ou instrumentistas no palco. Este cantor
usava roupas modernas, como camisão listrado e calça jeans e um
reluzente brinco na orelha. Ele se movia por toda a área do palco
enquanto cantava e em meio às canções ele proferia palavras de
encorajamento e de motivação direcionadas à congregação como
“...
eu profetizo vitória sobre a tua vida...”
ou “...hoje
é o dia da tua vitória...”
intercaladas pela prática da glossolalia
e a congregação cantava junto dele.
Notou-se
durante os cânticos a liberdade que os fiéis têm de se expressarem
corporalmente com o levantar de mãos, o fechar de olhos, o bater
palmas e as constantes reações dos fiéis às palavras proferidas
pelo cantor em seus gritos de “aleluia!”
e “glória
a Deus!”.
A música e o entusiasmo são usados para “aquecer” a igreja,
levando os fiéis à expectativa pelo poder divino que é esperado
que se manifeste.
Arlen:
Terminada
a parte das músicas, sobe ao palco para assumir a condução dos
serviços religiosos o líder da igreja, apóstolo
Arlen Vilcinskas, com uma saudação à congregação onde se roga a
graça
e a paz
do Senhor
sobre todos. A esperada manifestação do profeta precede a
manifestação dos poderes divinos que são por ele mediados.
Até
aqui a descrição se refere ao esquema padrão adotado no serviço
religioso, cuja estrutura é sempre muito parecida nas partes do
culto. Após as etapas descritas, o apóstolo Arlen assume a condução
do culto com alguns avisos, com o ofertório, com a ministração da
palavra revelada, a entrega de revelações e profecias, as curas, as
orações e por fim entrega seu microfone a um dos pastores
auxiliares para este fazer o encerramento do culto. O Arlen sempre se
retira da igreja antes do término do culto acompanhado por
assistentes e seguranças.
Introdução
à mensagem (retomada de revelações anteriores):
Seguem
as descrições do modo como o ap. Arlen conduziu a pregação
da palavra revelada
no culto de 2 de novembro de 2010:
Assim
que assumiu a palavra, o ap. Arlen mencionou um registro bíblico
em que Deus, irado com seu povo,
enviaria um anjo para conduzi-lo em seu lugar. A ousadia de Moisés,
elogiada pelo Arlen, residia em sua recusa do anjo, pois ele desejava
a presença do Senhor, e a declaração do Arlen à sua congregação
foi: “Pode
nos faltar tudo, não a presença de Deus”.
Em
seguida, o ap. Arlen mencionou um incômodo com um espírito de
engano e de encantamento no meio do povo de Deus, e por isso ele
teria se sentido chamado por Deus à oração, e deveria estar
acompanhado pelas irmãs de oração. Em seu retiro, ele teria tido
uma visão (que
já teria sido compartilhada com a igreja numa outra ocasião),
de olhos abertos, o que seria diferente de uma revelação:
“Vi o mar e uma cidade, acho que era o
Rio de Janeiro, e no ar do Brasil via-se uma enorme bandeira
brasileira... quem está lembrando disso? Levanta a mão, por
favor...
Não via o teto, eu via aquilo e onde
tem o globo azul, uma estrela saía e vinha para fora para colocar-se
sobre Brasília. Esta estrela, ao contrário das demais, azuis, era
vermelha. Mas Senhor, o que significa isso?
A bandeira é recolhida como um lençol
e Deus mostrou um telefone a e um palmo acima dele havia a letra D. A
irmã Noemia deduziu que se tratava da Dilma e Deus disse ela
ganharia a eleição. Era início de pesquisa e a coisa estava feia
para o lado dela. Outros diziam que ela não tem chance porque o
Serra seria favorito...”
Aqui
termina a descrição da visão e o ap. Arlen comenta a aliança
evangélica feita em torno do candidato à presidência José Serra,
que teria sido confirmada por profecias de outros líderes
evangélicos acerca da sua vitória, contrariando a sua visão sobre
a vitória da candidata Dilma (o ap. Arlen coloca-se como pequenino
entre tubarões):
“Causa estranheza os grandes líderes
evangélicos em horário eleitoral dizendo: se você é evangélico
vote no 45... não estou falando contra o Serra mas contra o
ocorrido. Silas Malafaia fez isso e a igreja Mundial se aliançou à
Assembléia de Deus e lá foi profetizado que o Serra ganharia. Tive
dor de barriga, pois sou pequenininho e esses tubarão estão
falando... Mas Deus disse (ao
Arlen) que foi Ele quem falou.”
O
ap. Arlen teria ligado para Brasília e teria falado com a segunda
assessora da então candidata à presidência, Dilma Roussef. A
atendente teria gravado o telefonema para segurança do pastor e
dela. Ele teria dito que não está incluído com esses evangélicos
aliançados com o candidato José Serra e que Deus teria dito que a
Dilma ganharia as eleições no 2º turno.
“Está chegando o dia em que se
cumprirá o que Deus disse: Meu servo, vou te levar diante de reis e
presidentes para profetizar às nações.”
A
Dilma teria dito que quer saber quem é este Arlen (em resposta ao
contato feito com sua assessora).
“Quando o encontro ocorrer vocês vão
saber. Não vou entrar na política mas vou falar o que Deus mandar
falar para que se saiba que existe profeta no Brasil. Aí pergunto
como ficam essas profecias... Deus mandou falar...(ironia
com as profecias feitas por outros líderes evangélicos)
fico impressionado com isso...”
Apontamento
para duas profecias que deveriam se cumprir em 2010:
“Faltam duas profecias para cumprir
este ano: vão encontrar mais uma bacia de petróleo maior que o pré
sal e a outra é a vitória da Dilma. Não estou me gloriando, mas
dando glória ao Senhor porque cumpre a sua palavra.”
Provável
interpretação da 2ª parte da visão sobre a vitória de Dilma
Roussef:
“Telefone preto e letra D preta...
minha concepção humana: preto significa luto. Não sei o que vai
acontecer, vamos orar por ela para que não haja corrupção e que a
profecia se cumpra. Eu prego isso desde o outro ministério: Atos um,
oito! Coloquem-se em pé, não brinco com Deus!”
Com
o relato desta visão
espiritual,
o apóstolo
Arlen procurou destacar-se do cenário atual da liderança evangélica
nacional, sugerindo a fidelidade de seu ministério à direção
divina em contraste com os demais. Sua comunidade reagiu glorificando
a Deus.
Ao
terminar o relato desta visão profética, o Arlen conclamou a sua
igreja à oração pelo Chile afirmando que aquele país seria muito
abençoado por Deus. Fez menção ao recente resgate dos mineradores
que foram soterrados ,
o que seria uma provação divina, e
solicitou a uma pessoa da igreja que trouxesse uma bandeira do Chile
para ser colocada no palco.
Coleta:
A
partir daí foi feita a coleta de dízimos e ofertas, ocasião em que
o Arlen fica sobre o palco segurando um cesto de vime, encurvado em
direção à congregação e as pessoas saindo dos seus lugares, vão
até a presença do seu líder espiritual para depositar no cesto a
sua contribuição, recebendo em troca um simpático sorriso.
Pregação
(palavra revelada):
Após
a coleta, que foi encerrada com uma oração feita pelo Arlen, ele
deu início à exposição de sua mensagem que é revelada. Nem mesmo
ele sabe o que será dito, pois a mensagem vem da ministração do
Espírito divino que usa a boca do pregador, como ele mesmo mencionou
em meio à mensagem: “Não
sei por quê estou dizendo isso. Não sei nem o que eu prego... Deus
toma a minha boca aqui...”
Assim,
o pregador tem um caráter passivo na explanação da mensagem e o
Espírito de Deus tem um caráter ativo e espera-se que Ele se
manifeste, cabendo à igreja cumprir com certos requisitos para que
isso aconteça, destacando-se a glorificação a Deus. Para
exemplificar essa dinâmica, durante a pregação do dia dois de
novembro o ap. Arlen exclamou logo no início da mensagem: “Quem
crê dá gloria a Deus! Ô povo esquisito!”
e alguns minutos depois: “Senhor
usa minha boca porque a igreja está sem glória hoje, hein! Vocês
pensam que é fácil pregar sem glória? É difícil...”
Para alcançar o êxito no alcance da revelação o estímulo
recebido da congregação com seus gritos de glória
a Deus
e aleluia
parece ser um fator determinante, assim como a consagração do
pregador a Deus por meio de orações e jejuns. Assim, tudo
é possível e imprevisível no transcorrer da mensagem, o próprio
Deus fala e quando Ele o faz, o pregador está
no Espírito
e por isso não poderá ser responsabilizado pelo que diz. Ele é,
naquele momento, apenas um instrumento com vontades subordinadas à
manifestação das vontades divinas apesar de manter a sua
consciência e de ter este estado extático subordinado à sua
vontade, ou seja, o Espírito o envolve, despertando-lhe certos
sentidos mas não anula a sua humanidade que pode, quando o pregador
quiser, fazer cessar este êxtase. O pregador não está possuído,
ele está envolvido em poderes celestiais.
O
ap. Arlen sabe apenas qual texto bíblico será usado para a
mensagem, e que servirá aos desdobramentos da mensagem que será
dirigida pelo Espírito, mas ele desconhece quais serão esses
desdobramentos e por isso a mensagem é uma revelação, uma mensagem
profética com efeitos imediatos e dirigidos às pessoas presentes no
culto, podendo também referir-se a categorias que excedem o ambiente
interno do culto ou das pessoas presentes, como nos casos já citados
da candidatura de Dilma Roussef entre outros.
A
mensagem partiu da leitura do texto bíblico em que Jesus envia os
seus discípulos à sua missão lhes conferindo poder para a sua
realização
e no
começo da explanação de sua mensagem naquele dia de finados, o ap.
Arlen enfatizou o poder de influência espiritual que todos sofremos,
podendo tal influência proceder de trabalhos espirituais como a
macumba
e a bruxaria
além da carga espiritual recebida em conseqüência dos atos
sexuais, incluindo o ato sexual que resulta na concepção, porque
neste exato momento ocorre a combinação dos fluídos de duas
pessoas diferentes, com suas influências e cargas espirituais, tanto
boas como más, que se fundem e são transmitidas à nova pessoa que
está começando a se formar no ventre da mãe. Assim, as pessoas
seriam de tal modo influenciadas pelos atos sexuais que não seriam
capazes de se conduzirem livremente, como gostariam de fazer, por
causa das heranças espirituais recebidas, e para confirmar isso o
Arlen mencionou uma fala do apóstolo Paulo sobre a luta interior
constante ,
entre o desejo de se fazer o bem em contraste com a prática do mal
recorrente além de apresentar uma interpretação polêmica sobre o
relato bíblico
da maldição de Cão por seu pai Noé: Cão teria tido relações
sexuais (o termo correto seria,
segundo ele, estupro
no hebraico praticado no
tempo de Moisés)
com seu pai quando este estava embriagado e as cidades geradas pela
descendência de Cão, Sodoma e Gomorra, teriam sido destruídas não
porque reproduziram a prática sexual de Cão, mas porque
sacrificavam seus filhos aos deuses.
Segundo
estas revelações que relacionam a sexualidade às influências
espirituais, a vida estaria no sêmen e os abortos seriam praticados
não somente após a concepção, mas também com a eliminação do
esperma, sendo este último um tipo de aborto comum e aceitável
somente na polução
noturna.
O ap. Arlen trouxe à tona, então, uma nova revelação à sua
comunidade, a de que todos somos santificados ou profanados pelo ato
sexual, e esta revelação seria esclarecedora e libertadora para as
pessoas presentes naquele culto, pois a partir dali muitos
relacionamentos seriam libertos de maldições adquiridas em atos
sexuais passados ou até mesmo do ato sexual praticado pelos pais em
sua concepção. Naquele culto as pessoas presentes estariam
recebendo poder para se libertarem das maldições resultantes dos
atos sexuais profanados e para, através dos atos sexuais com seus
cônjuges, os santificarem sem receberem deles possíveis influências
danosas.
Segundo
o Arlen, a libertação operada por Deus é feita constantemente, à
medida em que as revelações são feitas nas ministrações da
palavra
revelada.
Ele nunca sabe o que pregará, pois a mensagem de Deus é revelada ao
seu povo por meio do seu profeta na medida em que é pronunciada.
Visões,
revelações, profecias e curas:
Terminada
a mensagem o ap. Arlen deu início à sessão de entrega
de revelações e de profecias
que ele teria recebido de Deus no decorrer do culto, momento em que
ocorrem também diversas curas milaculosas. Seguem as transcrições
de suas revelações, profecias e curas:
Convocação
à fé:
“Se você acredita em milagres, você
que está aqui, o que fez esta genética te fazer cego, Deus vai te
curar, mas você tem que acreditar. Você condenado com câncer, a
sentença da palavra... porque Deus tem uma história na fecundação
da tua vida, nos teus genes (glossolalia)...
você que deseja libertação completa, coloque-se em pé. Eu, Deus e
a tua fé. Levante a mão para depois da oração colocá-la sobre a
enfermidade para a cura. Você vai orar, curve a fronte e nós vamos
orar. Pode haver manifestações e daqui por diante o único espírito
a se manifestar é o Espírito Santo.”
Oração
feita por Arlen:
“Querido Deus, querido Pai, Deus de
Abraão, Deus de Isaque, Deus de Jacó... eu Arlen Vilcinksas, teu
servo com meus joelhos dobrados em tua presença Senhor, ergo a minha
voz para interceder por este povo aqui...”
A
parcela da oração direcionada a Deus está transcrita acima e nela,
o ap. Arlen se coloca nominalmente ao lado dos patriarcas do
judaísmo, pois ele também seria uma autoridade perante os homens,
com quem Deus se relaciona de forma especial. A oração continua,
mas ela passa a ser dirigida não mais a Deus, mas às doenças e aos
demônios que causam o sofrimento das pessoas congregadas naquele
lugar. Na oração são proferidas ordens a diversos espíritos
seguidas sempre pela expressão em
nome de Jesus.
Também são dadas ordens a várias doenças seguidas pela mesma
expressão. Assim, a expressão em
nome de Jesus
assume um caráter de autoridade no tratamento às mazelas, é um
termo que define sentenças proferidas contra o mal, uma expressão
mágica que deve ser acionada para a conquista de alguma vitória
diante dos inimigos e não é uma expressão de referência que
aponta para o mediador na relação humana com Deus.
Com
o término da oração as revelações são transmitidas à igreja,
enquanto o ap. Arlen anda pela igreja apontando para certas pessoas a
fim de dizer-lhes revelações específicas, além de orar por alguns
por cura e por libertação. Os efeitos são claramente percebidos.
Nos
relatos registrados a seguir, o ap. Arlen está andando entre as
pessoas enquanto serve como instrumento de interação entre
realidades espirituais e físicas:
Um
colar vermelho e os demônios:
“Entre nós, Deus está mostrando uma
pessoa portadora de um colar vermelho... não sei se está no pescoço
ou no carro, só estou vendo o colar, tem 2 demônios. Enquanto estou
falando eu vi um espírito com cavanhaque olhando feio para mim.
Glória a Deus, porque hoje vai cair a sentença dele. Ele disse que
sou sete encruzilhadas, mas quem criou as encruzilhadas foi meu Deus
e ela não é sua. Você vai sair agora em nome de Jesus!
Tem uma pessoa que incorporava um índio,
caboclo e por isso as coisas para você estão amarradas, vai sair
hoje!”
O
grito contido:
“A igreja vai fazer silêncio, tem uma
pessoa entre nós que está se segurando para gritar. Pode se soltar
porque esse demônio vai sair. Demônio, pode receber a ordem em nome
de Jesus, Agoraaaa! Em nome de Jesus Cristo Nazareno, deixa essa
mulher, deixa essa casa agoraaaa! Igreja fica em comunhão...”
4
anjos:
“Tem quatro anjos fazendo a limpeza
aqui, agora é uma hora forte irmãos, o Senhor está fazendo
passeando irmãos, aleluia! Glória a Deus... tem muitos espíritos
saindo de quartos, de camas, de filhos de documentos... igreja, se
liga em comunhão porque esses quatro varões desceram aqui para
fazer guerra para libertar a sua vida de uma vez! Tem uma mulher que
ficou cega (ele vai ate uma mulher e ora por ela).
Fica em comunhão igreja...”
(silêncio)
Uma
cura de cegueira:
“Tá normal, tá limpo, oh Deus... na
hora que eu fui orar tinha uma pele branca, agora tá limpo.” Só o
Senhor e Deus! (igreja responde
três vezes: “Só o Senhor e
Deus!”).
Documentos
e o tempo de Deus:
“Quem trouxe fotos, documentos...
irmão, se você se desesperar Deus vai fazer a obra. Se você ficar
tranquilo, Deus também vai fazer a mesma obra! Só que Ele manda
dizer: não é nenhum dia a mais, nenhum dia a menos, é na minha
agenda. Então, o que é melhor?
Con-fi-ar.”
Um
exorcismo:
“Tem uma mulher que se sentiu muito
mal na oração, levante a mão por favor. Vem aqui meu amor...
(oração). VAI EMBORA! Pai cura este mulher agora, dá um coração
novo... sai! Demônio aqui não faz bagunça não! Deus está
fazendo, você nem imagina irmão.
Deus curou uma cega ali irmão, e nem
precisou fazer espetáculo, trazer aqui em cima mostrar..”.
A
interrupção de um grito e outro exorcismo:
“AAAAHHHHH!! “(grito)
“Eu não falei que ele ia gritar? Ó
ele gritando ai gente! Eeeta esse demônio não tá agüentando a
presença de Deus! Pode ir gritando aí demônio, vai sair pelo grito
mesmo! Pode ir saindo agora em nome de Jesus. Vai saindo da vida dela
hoje, vai saindo da vida dela hoje... ó como ele manifesta irmão,
igualzinho em terreiro, pode soltar, ele não vai cair não. Ele é
manco de uma perna, anda para este povo te ver. Olha como ele se
manifesta, esse Caboclo aqui. Levanta a mão Igreja, fala em nome de
Jesus... demônio... saia dessa mulher! O que eu falei, esse demônio
ia gritar aqui hoje gente? Vamos aplaudir o Senhor, demônio aqui não
resiste ao poder de Deus!”
(aplausos)
A
libertação e a cura do mal de chagas:
“E essa mulher, senta e ora com ela.
Ela não conseguia falar, porque estava fraquinha com doença de
chagas. Olha o grito que deu e o coração desinchou. Diga: só o
Senhor é Deus!” (igreja: “só
o Senhor é Deus!”)
Exortação
sobre a visão do colar vermelho:
“Agora é com você, eu vi um colar
com pontas vermelhas, uma miçanga e se você for com isso, se
guardar isso até o final do culto, continue com isso porque tem um
espírito de morte nisso aí. Eu queria muito que recebesse oração.
Falaram: isso é bom para mim, não você, foi enganado. Esta pessoa
está aqui, Deus está me falando e eu vi direitinho esse colar. Quer
benção ou quer maldição?
Curve a fronte igreja. Não adianta no
final do culto entregar, falar: ah fui eu mas não quis falar...
irmão, se fosse comigo eu falava: sou eu... eu pensei que seria bom
para mim... tô liberto. Que senão o negócio vai ficar feio na tua
casa. É você e Deus agora... é você e Deus agora... eu vou pôr
os obreiros aqui espalhados.,Tá com vergonha? Fala com um deles.
Você não precisa vir aqui na frente não. Procura um deles. É
libertação, eu vou abrir essa porta, mas ninguém vai sair daqui da
forma que entrou aqui não porque meu Deus vai fazer maravilha.”
Portas
de emprego abertas:
“Olha a novidade, 72 portas de emprego
abertas! Nestes 23 dias, 72 e ó que é boooa!”
Uma
família específica:
“Deus me traz um sobrenome, chamado
família Ferreira. Quem que tem esse sobrenome aqui. Vem aqui. É
família Ferreira, é uma benção muito grande chegando para essa
família. Vem aqui... traz a família aqui, família Ferreira.
Pai libert...(choro
de mulher) hoje eu ponho fim à
tua prova mulher! (profecia)
olha o meu anjo chegando!
(glossolalia) A
boca do leão vai ser fechada e até o teu companheiro vai pregar
atrás da minha tribunaaa!! O renovo tá chegando até o final desse
ano irmão! (voz da mulher
glorificando a Deus em meio ao choro) Põe
a mão sobre essas pessoas aqui... (voz
da mulher: “tá doendo”)
Claro que a cabeça tá doendo, é livramento de morte!”
A
dona do colar vermelho:
“Irmãos, com permissão, com muita
humildade esta irmã está aqui, a miçanga é dela, e ela vai trazer
domingo porque ela quer libertação na vida dela. Ela vai trazer
domingo e eu vou dar uma bíblia linda para ela. (a
mulher diz: eu ia comprar uma
bíblia)
Oi? Ela falou que ia comprar uma bíblia?
Não compra porque você já ganhou. Você me dá aquela miçanga do
Diabo para mim e eu dou uma bíblia para você! Quero ver o Ogum, o
que ele vai fazer... ototututu...” (zombaria)
Visão
de amuleto japonês:
“Ah como eu não gosto disso Papai...
tem uma pessoa entre nós, eu não sei se... me parece que é no
carro, é um tipo de patuá mas é uma coisa meio japonesa, é meio
japonês o negocio, nem sei como chama aquilo ali, a pessoa portadora
disso livre-se. Se o deus do Japão fosse bom aquilo não tava
tremendo toda hora. Livre-se disso, não fique no seu carro, não
fique na carteira, não fique na bolsa, não fique no escritório.
Quer uma bíblia melhor? Eu faço a troca com você. Deus é fiel. O
tempo estourou.”
Cura
de 2 mulheres estéreis:
“Tá acontecendo cura em ovário,
trompa, útero... 2 mulheres, 1 já desistiu de tratamento porque não
engravida. O Senhor diz que em menos de 30 dias a semente vai estar
em teu ventre e a outra atá o final do ano. Glorifica ao Senhor, não
precisa tomar esse remédio não! O Senhor está abrindo a tua madre
e 1 delas vai ter gêmeos! Oh glória a Deus! Deus é fiel”
(glossolalia).
Visão
de um número:
“Eu não sei se é apartamento,
escritório... Deus me mostrou o nº 171, então e Senhor está indo
ao encontro... Que esse número significa para você? Tua casa? Tá
preto o negócio lá. O Diabo quer entrar com falência. O irmão crê
que hoje esse demônio vai sair de lá? Ó, vai chegar o tempo em que
essa loja vai ser vendida e o Senhor vai dar um outro negócio para
você!
Digam Deus é fieeeel!”
Documentos:
“Quantos aqui, problemas com contrato
de moradia, documento de moradia, apartamento ou casa? Levante a mão,
coloque no coração. Senhor eu me aproprio desta propriedade agora
neste ano! Receba em nome de Jesus!”
Expectativa
para o próximo encontro:
“Me perdoe por segurá-los aqui. Hoje
eu estou no levinho, porque 3ª feira o negócio vai esquentar aqui.
Eu vou ver Deus curar, demônio sair e a igreja vai o-rar.”
Oração
de agradecimento:
Levanta a sua mão para o céu (oração
de agradecimento pelas portas abertas pela visão de cega, belas
bênçãos e libertação).
Aplausos ao Senhor.
“Me perdoem por segurar vocês aqui,
prometo iniciar o trabalho de libertação mais cedo, porque às
vezes o Senhor quer revelar nomes e situações e eu preciso de tempo
para isso e eu não estou aqui para brincar irmão. Deus é fiel.”
O
irmão de azul:
“Ô irmão listrado azul, Deus vai
fazer um caminho para você! O irmão tá toreando uma situação há
meses... uhuhuh.. Deus diz: eu estou abrindo um caminho novo para
você... levanta a tua mão e receba em nome de Jesus.”
Sinais
na madrugada:
“Se alguém acordar de madrugada com
cólica para fazer xixi ou outra coisa e ver sangue, ver limbo ou
qualquer sujeira, não se preocupe porque na hora da cura, irmãos,
Deus fez a obra.”
R$
5.000,00:
“Eu soube aqui, apenas a companheira
está aqui e a outra pessoa não está, acho que foi na 3ª feira que
Deus falou a palavra que ia pôr 5 mil reais na conta de alguém...
foi. Essa pessoa, segundo o que eu ouvi ali, ela mesma vai dar o
testemunho, foi 3ª feira passada... na 4ª feira, ela tinha que
pagar uma conta de 3 mil e poucos reais, eu sei que dava quase 4 mil
reais. Para ela era muito dinheiro. Quando ela foi puxar o extrato,
desesperada, tinham depositado em dinheiro 5 mil reais.”
(igreja: “glória
a Deus!”)
“Aí ela falou: eu vou falar com o
gerente, ela inglória... lembra o que eu falei: fique quieta! Pagou
a divida... com aquele dinheiro que Deus, Deus pôs na conta dela.
Sabe como Deus pode fazer isso irmão? Pega gente que tem, faz errar
a conta e mandar para quem não tem.Trouxa é o crente que vai falar
com o gerente... hã! Eu fico é quietinho! A bênção é minha...
Deus não falou que vai tirar do que tem para dar para quem não tem?
Quem quer essa bênção aqui? 3ª feira comigo aqui e domingo,
cenáculo com Santa Ceia! Oh glória a Deus! Aleluia.”
Em
seguida, o apóstolo Arlen desceu de seu púlpito rodeado por
auxiliares e se ausentou apressadamente da Igreja pela porta da
frente enquanto um pastor assistente fez o encerramento do culto com
uma oração rogando a bênção de Deus. Pronunciou também a bênção
apostólica.
2ª
visita à Igreja
Cristã Apostólica do Brasil:
No
dia 5 de abril de 2011, este pesquisador retornou à Igreja
Cristã Apostólica do Brasil
num de seus cultos, tendo chegado por volta das 20h 40 min. – o
culto já estava acontecendo e não presenciei a parte dos cânticos,
tendo chegado no momento em que começou a pregação.
A
igreja estava em reforma, seus adornos na região do palco tinham
sido removidos, havia material de alvenaria empilhado no fundo e na
lateral do salão de culto e a cabine de controle do som tinha sido
mudada para acima das portas da entrada.
Nesta
noite um outro pregador trouxe a mensagem, tendo falado a maior parte
do tempo sobre a sua experiência religiosa e do modo como Deus o
teria chamado do Nordeste para São Paulo. A sua fala, sempre aos
gritos, era intercalada pela prática da glossolalia.
Terminada
a pregação, o apóstolo
Arlen assumiu a palavra em seu púlpito para iniciar a parte das
revelações. Foram poucas nesta noite. Ele afirmou ter visto um
bonito cavalo branco cavalgando pela congregação, que fazia
referência à vitória do Cordeiro
na vida dos crentes. Também fez nova coleta, pois disse que não
aceitaria comprar os materiais para a reforma a prazo, pois a igreja
poderia fazer isso à vista e incentivou às pessoas a contribuírem
com o que pudessem, mesmo que com poucas moedas e disse que o que
pode ser considerado pouco aos nossos olhos pode ser muito valorizado
por Deus por causa da fé. Após a coleta e uma oração, o Arlen se
retirou do culto apressadamente pela entrada principal cercado por
sua equipe de seguranças. Um outro pastor terminou o culto com uma
oração e a bênção apostólica.
Os
cultos proféticos da Época da Graça.
Entre
os anos de 1995 e 1997 este pesquisador teve contato com a igreja
liderada pelo então pb. Arlen Vilcinskas, um homem dotado de notável
carisma, percebido na sua maneira de pregar e nas manifestações
consideradas espirituais pelos fiéis que frequantavam os cultos, que
ficavam sempre lotados, tanto nas terças-feiras como nos domingos,
pois nos cultos destes dias o dirigente era, de costume, o pb. Arlen.
Tamanha
era a aglomeração de pessoas que o já amplo salão de culto não
comportava as pessoas que se apertavam nos corredores, na calçada e
no palco. Este último era tomado por cadeiras improvisadas e
ocupadas por personalidades da televisão, jogadores de futebol e
empresários com suas respectivas famílias.
Os
freqüentadores da Época da Graça eram admiradores dos chamados
dons e da capacidade espiritual do pastor Arlen, pois este, à medida
em que discorria em sua exposição de textos da Bíblia, tinha
revelações e visões espirituais diversas. Teria previsto as mortes
do Deputado Ulisses Guimarães e do corredor de Fórmula 1 Ayrton
Senna. Era costume nos cultos ele ter visões e revelações sobre
muitas das pessoas presentes, como problemas familiares, questões
financeiras, doenças, envolvimento espiritual com bruxaria, etc. Ele
apontava de seu púlpito para diversas pessoas, revelando-lhes suas
necessidades, também profetizava e realizava curas miraculosas.
Muitas vezes, nestes momentos em que o pb. Arlen dizia as revelações
e profecias, ele o fazia andando em meio à igreja, saltando entre os
bancos, abrindo espaço com dificuldades por causa da lotação de
pessoas a fim de chegar à pessoa específica para lhe entregar o
recado do Senhor. Era comum, enquanto ele fazia isso, ser tomado por
um transe espiritual em que rodopiava, sapateava e praticava a
glossolalia.
Este transe espiritual era chamado de entrar
no mistério
e normalmente outras pessoas também entravam no mistério
simultaneamente ou após o pastor Arlen.
Os
cultos na Época da Graça dificilmente duravam menos de 3 horas.
Começava com outros pastores ou presbíteros que oravam, faziam
alguma leitura bíblica e faziam a coleta de dízimos e de ofertas e
eram intercalados por apresentações de cantores de músicas com
temas bíblicos e ênfase na temática pentecostal, priorizando
sempre os temas do batismo no Espírito Santo e o ser preenchido,
conduzido e usado pelo Espírito; ou temas de lutas e vitórias.
Também havia alguns cânticos entoados pelo coral e orquestra locais
e cânticos congregacionais do Cantor
Cristão
da igreja Batista.
O pastor Arlen sempre chegava ao púlpito discretamente por uma
entrada lateral cerca de 1 hora depois de o culto ter começado. Sua
entrada no púlpito, por mais discreta que fosse, era sempre
percebida por todos, pois o profeta havia, enfim, chegado.
Normalmente
o pastor Arlen não ia direto para a pregação da Bíblia. Antes ele
puxava mais um período de cânticos, ou do Cantor
Cristão,
ou com os levitas
com seus play-backs,
ou os corinhos
de fogo.
Esses últimos, quando cantados na igreja, acabavam por promover um
êxtase coletivo, pois muitas pessoas entravam no mistério,
rodopiando no “Espírito”, sapateando (os chamados sapatos
de fogo)
e falando em línguas
estranhas.
Era assim que o
fogo caía.
Esta prévia da pregação tinha por objetivo fazer com que todos
entrassem
no Espírito,
pois a mensagem nunca era planejada anteriormente, era
necessariamente revelada. Não eram raras as vezes em que o pastor
Arlen abria aleatóriamente a Bíblia em seu púlpito após uma
oração que antecedia a mensagem. No ministério do pastor Arlen
Deus falava com a sua igreja por meio de revelação e, por isso, a
visão deste pastor sobre teologia era de recusa, como ele afirmou
certa vez: “não
se estuda a Deus como se ele fosse um rato de laboratório...”
O
fogo cair
era uma expressão comum no ambiente pentecostal, pois se refere às
manifestações do poder do Espírito Santo em meio aos crentes
comprometidos, com dedicação à oração e ao jejum, os chamados
crentes do estreito
– pessoas que negligenciam a carne para viverem no Espírito
.
Normalmente
o fogo caía nos momentos em que no culto eram feitas orações
coletivas e fervorosas; quando eram bradados várias e consecutivas
vezes
os gritos de “glória
a Deus”
e “aleluia”
– estes eram considerados os combustíveis
para o fogo, como costumava dizer o pb. Arlen: “é
no glória que o fogo desce!”
O fogo costumava cair também quando eram entoados os corinhos
de fogo,
como era cantado num dos refrões dos corinhos de fogo: ...é
glória que sobe, é glória que desce e no poder a igreja
estremece...”
sempre com o acompanhamento de pandeiros
e
palmas, num ritmo semelhante ao ritmo das canções e batuques nos
cultos afro-brasileiros;
ou quando, na progressão da pregação o êxtase que tomava o
pregador contagiava o restante da congregação – neste caso o
êxtase era coletivo ,
muitas pessoas falavam em línguas e entravam no mistério ao mesmo
tempo em que eram manifestadas as revelações e as profecias pelo
pb.
Arlen e às vezes também por outras pessoas. Este momento do culto,
em que o fogo caía, ao lado do momento da palavra revelada, era
quando o Espírito descia, os anjos passeavam em meio às pessoas
trazendo ministrações, presentes, rolos, dons e mistérios. Este
era o clímax do culto, pois acreditava-se estar diante da
manifestação do sobrenatural divino e suas evidências eram
bastante convincentes, pois muitas curas de fato aconteciam, as
revelações e profecias eram muito específicas e precisas e as
sensações sentidas no êxtase faziam as pessoas acreditarem que
estavam mais próximas da glória de Deus.
O
clímax do culto acontecia durante a mensagem do pastor Arlen e esta
parte do culto durava cerca de uma hora. No final da mensagem, o
pastor Arlen ficava fisicamente abatido, suado, muito cansado. Ele
afirmava que o rolo estava se enrolando para ser levado novamente ao
céu, ou seja, a revelação chegara ao final e era este o momento de
parar – até ali era o Espírito falando, dali em diante seria a
carne e, por isso, este era o fim da mensagem. Da mesma forma com que
ele costumava entrar no púlpito ele também saía, amparado por
auxiliares e seguranças, antes do término do culto, que era
finalizado por sua equipe pastoral de apoio.
Manutenção
do poder.
Este
pesquisador pôde constatar que a prática religiosa nas comunidades
lideradas pelo pastor/ apóstolo Arlen é norteada pela experiência
religiosa de seu líder, que é marcada por revelações e visões de
um universo espiritual desconhecido, misterioso e por atribuições
de poderio mágico a diversos símbolos e objetos religiosos. O líder
é um intermediário entre o mundo material onde os fiéis estão
situados e o mundo místico em que somente o apóstolo Arlen transita
com segurança e credibilidade. Ele, enquanto desvenda o mistério na
revelação da palavra, tem acesso a segredos que são
progressivamente revelados e tais revelações podem ser para toda a
congregação, ou específica para indivíduos. Podem também, se
referirem ao presente, ao passado ou ao futuro.
Por
causa das experiências místicas e espirituais não raramente são
vistos anjos e outros tipos de seres ou representações espirituais
ministrando à congregação e esta é a razão do uso do véu por
parte das mulheres consideradas espirituais, pois as hierarquias e os
papéis das personagens neste ambiente de interação mística, que
se torna sagrado devem ser mantidas, os poderes sobrenaturais estão
se revelando, devem ser respeitados e as posições das personagens
que compões este cenário devem ser delimitadas a fim de que a ordem
seja mantida nessa interação entre os mundos físico e espiritual.
Por esta razão é dada importância aos objetos mágicos, aos
amuletos mesmo que de outras formas de espiritualidade ou religião,
pois o apóstolo tem os dons divinos para interagir entre os mundos
físico e espiritual e nesse trânsito as outras formas de interação
entre esses mundos são tidos como legítimos, pois têm efeitos na
influência espiritual para o bem ou para o mal das pessoas, que
vivem expostas às diversas manifestações do sobrenatural em suas
diversas formas de tensões. O apóstolo Arlen assume o papel de uma
espécie de intermediário entre o mundo dos homens e os poderes dos
céus.
São
retomados na pratica religiosa desta comunidade, por causa do
ministério do seu líder, o uso dos símbolos religiosos judaicos
porque eles representam realidades que são ali cridas e vivenciadas.
No tabernáculo judaico existem etapas
a serem superadas para a aproximação do sagrado, para adentrar o
lugar santíssimo, e assim, o alcance do sagrado com seus segredos,
mistérios e prêmios só pode ser feito por quem evidencia
capacidades elevadas, vistas numa santidade pessoal que é comprovada
nos poderes sobrenaturais dados pelo próprio Deus ao seu servo. Da
mesma forma as tábuas da Lei estão bem guardadas dentro da arca,
e quem a tocar indevidamente será morto ,
só podendo tocá-la quem for dotado de uma dignidade superior para
então ter acesso aos seus segredos. Assim como os segredos sagrados
somente são revelados àqueles que evidenciam méritos elevados e um
alto grau de identificação com o sagrado por meio de uma santidade
conquistada e notada em poderes sobrenaturais evidentes e que
funcionam como uma espécie de credencial, de autenticação, o
apóstolo Arlen corresponde a este tipo de herói que transita no
lugar santíssimo como uma pessoa comum não poderia fazer por causa
de sua indignidade e é alguém que traz as revelações dos tesouros
escondidos da divindade para compartilhá-los com os seus ouvintes
dos poderes que experimenta. Vê-se o sobrenatural agindo, as
revelações, as profecias e as curas. Deus e seus anjos estão em
meio à congregação e o ministério do seu profeta funciona como um
elo entre dois mundos distintos.
As
leituras que o apóstolo Arlen faz dos textos bíblicos e dos
detalhes que o compõem normalmente são diferentes das leituras e
interpretações feitas numa igreja cristã tradicional. Como no caso
registrado acima, o texto lido
no culto de 2
de novembro de 2010 trata da missão dada por Jesus aos seus
discípulos e do poder que eles receberiam para cumpri-la e
normalmente seria esta a interpretação feita por um pregador
cristão. Contudo, o apóstolo Arlen viu no texto questões de
sexualidade, da concepção, do aborto e da hereditariedade de
influências espirituais, questões que não estão descritas no
texto em si. Os textos são, no ministério do apóstolo Arlen, um
pretexto para revelações e funcionam como a abertura de uma porta
de onde virão as revelações de mistérios ocultos da divindade e
que, não necessariamente, estarão estritamente relacionadas ao
texto. A exposição da palavra, em seu ministério, é por meio de
revelações e por isso parte do desconhecido, até mesmo para ele.
Mas,
ao passo que a revelação se evidencia gradativamente no desenrolar
do rolo dado pelos anjos no culto, somente o Arlen possui os dons
necessários para desenrolá-lo e decifrá-lo fielmente à igreja, e
esses dons teriam se manifestado em sua vida ainda na infância. Seu
poder é inato e incomunicável.
Capítulo
3
– A
experiência religiosa e o ensino bíblico.
Sendo
ainda um freqüentador da Época da Graça, este pesquisador
constatou divergências entre o ensino bíblico neotestamentário
acerca do culto cristão e dos dons espirituais e a forma como eram
praticados os cultos naquela igreja.
Diferente
do que era praticado na Época, a instrução bíblica sobre os
cultos e as evidências dos dons apontava para a ordem e a
racionalidade .
No máximo duas ou três pessoas deveriam falar em línguas
estranhas, com a necessidade de intérprete a fim de que houvesse
compreensão pelos ouvintes daquilo que era dito. Na falta de
interpretação, as línguas estranhas deveriam dar lugar ao
silêncio. Também o culto deveria ser dirigido a Deus
e nunca a outros seres espirituais.
Na
Época a glossolalia era praticada desordenadamente por incontáveis
pessoas e ao mesmo tempo. A presença dos anjos
causavam euforia e o nome de Jesus era usado apenas como um endosso
de sentenças.
O
ensino bíblico denuncia a acepção de pessoas
que era praticada na Época, quando lugares privilegiados eram
reservados a artistas, empresários e jogadores de futebol em
detrimento das pessoas comuns que ficavam de pé.
Os
contínuos êxtases e os mistérios não tinham valor algum para a
piedade. Este pesquisador presenciou profetas adúlteros e
fornicários que mesmo em flagrante delito não tinham seus status
eclesiásticos maculados. A crença local era dicotomista,
fazendo total separação entre as realidades e poderes espirituais
das categorias materiais. Por isso o Arlen alegava que quem falava no
púlpito era o Espírito, e não ele, e por isso ele não tinha
responsabilidades pelo que dizia. Ao contrário disso, o ensino
bíblico valoriza a conduta ,
o testemunho pessoal e a ética e nos faz responsáveis pelo que
fazemos ou dizemos. A racionalidade
e o caráter são valorizadas nos escritos neotestamentários, e não
os transes ou os atos praticados sob o torpor dos êxtases.
O
simples registro bíblico aponta para a necessidade do seu ensino, o
texto deve ser lido para ser compreendido, podendo ser até mesmo
discutido ou recusado. Trata-se de um exercício racional para ser
assimilado na espiritualidade. Porém, os apontamentos dos textos
referentes às questões levantadas, enquanto este pesquisador ainda
frequentava aquela igreja, levou o questionador a ser hostilizado, o
que evidenciou indisposição ao diálogo, desprezo pelo registro
bíblico e disposição à violência, em detrimento da piedade.
Para
este pesquisador a experiência vivida revelou que é possível uma
igreja subsistir sem que seja uma igreja autêntica, conforme apontam
os escritos bíblicos, comprometida com o seu ensino. Pode se tratar
de uma realidade religiosa qualquer, que apenas se utiliza de
nomenclaturas e símbolos cristãos, podendo não ser, exatamente,
uma religião autenticamente cristã. Neste caso seria um fenômeno
religioso resultante de sincretismos, e por ser sincrético, não
corresponderia a nenhum dos referenciais que lhe emprestaram
características, pois a somatória de características diversas
geraria um fenômeno religioso novo e distinto das religiões
antecessoras.
Assim,
se a igreja cristã é a instituição criada e mantida pelo próprio
Senhor
para servi-lo e gozá-lo, as demais formas de religiosidade estariam
fora deste propósito e, portanto, destituídas de Cristo e dos seus
privilégios, ao passo que é para a Igreja que Cristo dirige a sua
instrução e é para a Igreja que Ele concede dons espirituais .
Se as outras formas de religiosidade não são Igreja, então o que
seriam os poderes místicos que nelas são vistos? O que são esses
bens simbólicos notados na espiritualidade do ap. Arlen? Qual é a
sua procedência? O que são estes êxtases que este pesquisador
experimentou? O que é a glossolalia desordenada vistas nos cultos
neopentecostais?
Por
tratarem de assuntos espirituais, as igrejas cristãs tendem a
resumir a procedência dos bens simbólicos a duas fontes apenas: ou
de Deus ou de demônios. Não existe espiritualidade além desse
campo ditocomista de influências. Mas nem toda espiritualidade
refere-se às relações entre a alma humana com influências
espirituais exteriores. Pode a espiritualidade refletir realidades do
próprio espírito humano apenas, da sua mente e ou do subconsciente
e, por isso, essa espiritualidade seria algo inerentemente humano,
desconectado de ligações exteriores e independente de influências
divinas ou satânicas em suas origens e, portanto, poderiam ter um
caráter aético.
Este
pesquisador descarta a possibilidade de estas manifestações serem
manifestações demoníacas pelo fato de o nome de Cristo ,
sua obra redentora, sua ressurreição e divindade serem confessados
mesmo nos momentos de êxtase pelo Arlen ou por outros frequentadores
da Época da Graça.
Creio
que esta espiritualidade pode ser comparada às habilidades naturais
que um músico possui para a música, ou os dons que alguém tem para
as artes, ou a facilidade que alguém tem para a matemática. Esta
espiritualidade seria, na verdade, uma capacidade sensitiva apurada,
humana e não decorrente de dons divinos para o exercício
eclesiástico, mas que assume interpretações dentro dos diversos
ambientes religiosos que redirecionam tais habilidades humanas de
acordo com o seu contexto religioso, conferindo-lhe sentido e
aplicação.
Vê-se,
por exemplo, que antes de praticar a religião, antes de ter
consciência a respeito, o Arlen, ainda criança, já tinha
experiências místicas .
Não foi na conversão ou na prática religiosa que lhe foram
conferidos dons espirituais; a prática religiosa reconheceu,
interpretou e direcionou os seus dons naturais pré-existentes.
Exemplo
semelhante pode ser notado no médium
Chico Xavier: antes de conhecer a religião, quando o Chico era ainda
uma criança, ele já tinha experiências místicas que eram
condenadas pelo clérigo católico, mas que posteriormente foram
absorvidas pelo Espiritismo, lhe conferindo sentido e aplicação.
No
caso do Arlen foi o movimento evangélico neopentecostal que conferiu
significado e aplicação às suas habilidades sensitivas naturais. A
religião dá forma a certas capacidades humanas que fora do ambiente
religioso carecem de sentido, de explicação e de aplicação.
Contudo, há sensitivos
que evidenciam suas habilidades fora de qualquer ambiente religioso.
Assim,
este pesquisador conclui que muitos fenômenos atribuídos à
interação com espíritos, podendo ser considerado o Espírito Santo
dentro de um ambiente neopentecostal ou ainda um espírito
desencarnado num ambiente espírita, por exemplo, podem ser
manifestações do poder psíquico humano e de suas habilidades
sensitivas naturais que são estimuladas e desenvolvidas com o uso de
recursos técnicos que estão diluídos nas diversas práticas
religiosas, talvez inconscientemente, com seus sincretismos
sucessivos. Nem tudo o que é considerado espiritual é espiritual de
fato, se compreendermos o termo como a interação humana com
espíritos; mas muito do que é considerado espiritual pode ser
evidência de habilidades humanas naturais e pouco compreendidas que
são estimuladas dentro das diversas práticas religiosas e que
podem, sim, servir como instrumento nas diversas formas de
religiosidade e evoluir
para uma interação com realidades espirituais de fato. Muitos dos
fenômenos místicos são uma espécie de projeção
e
exteriorização
que o mágico faz do seu próprio interior (ou mente) em conformidade
com os cânones estabelecidos convencionalmente pelas diversas
comunidades de fé.
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LOPES,
Augustus Nicodemus. O Culto
Espiritual. São Paulo: Cultura
Cristã, 1999.
MAIA,
Hermisten. Fundamentos da
Teologia Reformada. São Paulo:
Mundo Cristão, 2007.
MONTERO,
Paula. Magia e Pensamento
Mágico. São Paulo: Ática,
1990.
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Leon. I Coríntios - Introdução
e Comentários. São Paulo:
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Referências
eletrônicas
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Gravação em áudio do culto.
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ICANB.
Gravação em áudio
do culto. São Paulo, 5 de Abril de
2011.
ZANGARI,
Wellington. Estudos Psicológicos
da Mediunidade: Uma Breve Reflexão.
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ROCHA,
José Antonio Meira da. Modelo
de monografia e Trabalho de Conclusão de Curso.
Documento disponível em <http://www.meiradarocha.jor.br/ news/
wp-content/ uploads/ 2007/ 09/ modelo_tcc-2006-09-11b.zip>.
Acesso em: 5 Abr. 2011.
ANEXOS
1. Revista Época.
Capa e contracapa da revista Época
Matéria documento histórico Época da Graça
Matéria documento histórico Época da Graça
Testemunho da Carminha
Matéria documento histórico Época da Graça
Testemunho do jogador de futebol Palhinha
2. Processo Judicial.
Intimação do Juizado Especial Criminal
Termo circunstanciado de ocorrência policial
Mandado de intimação
Termo circunstanciado de ocorrência policial