13/11/2024

Idolatria do púlpito

 


A idolatria do púlpito e a corrupção na invenção de um tipo de sacerdócio distinto dos demais crentes.

A Palavra de Deus deve ser pregada, ensinada e crida. 

Em toda a Bíblia ocorre a comunicação da Palavra de Deus aos seus receptores, aos ouvintes, um trabalho feito por mensageiros de Deus que receberam dele mesmo a mensagem a ser transmitida, sejam profetas, mestres, apóstolos, pastores e evangelistas. Mas não existe, em nenhum caso, descrições ou ensinos sobre a arte a ser aprendida para pregar. A ênfase bíblica está no conteúdo, nunca na forma. Não existem ensinos sobre oratória e retórica na Bíblia, não existem descrições de técnicas de comunicação, nem de persuasão - o que vemos em alguns casos é Deus dar a sua mensagem para alguém que não se mostra apto para pregá-la às outras pessoas. Às vezes o sujeito é gago, outras se mostra como uma criança, quase sempre é alguém absolutamente comum, um pescador ou um cuidador de rebanhos... Também não existem descrições de púlpitos como centralizadores da pregação da Palavra de Deus na Bíblia.

O que existe é a ordem dada aos discípulos de eles mesmos propagarem a mensagem recebida. São os discípulos, aqueles que aprenderam as doutrinas do Senhor, que devem comunicá-las às outras pessoas, fazendo outros novos discípulos. São os crentes no Evangelho que receberam a comissão dada pelo Senhor de evangelizarem todo o mundo. E como eles devem fazer isso, centralizando a pregação do Evangelho nos púlpitos? Não! Eles mesmos devem fazer a evangelização e o discipulado nas formas naturais de convivência com as outras pessoas, no "indo" conforme irem por aí, conforme suas vivências se desenrolarem no andamento da história. 

Pregação não é, portanto, apenas um trabalho profissionalizado que alguma casta distinta dos crentes tem a prerrogativa de fazer. Não! Esse é um trabalho de semeadores, de gente comum que espalha as sementes da Palavra de Deus por toda parte.

Nós temos uma ideia estrutural de igreja que herdou práticas do catolicismo e que deveriam ser corrigidas. Ainda preservamos a ideia do clero, uma invencionice que reinventou um sacerdócio distinto, um ofício que existia apenas no contexto do Antigo Testamento por causa dos serviços cultuais que eram feitos no Templo, mas que caducaram com os atos do Senhor Jesus quando Ele se entregou no holocausto da cruz. Não existem mais sacrifícios oferecidos no Templo porque essas coisas eram sombras que apontavam para o Cordeiro de Deus entregando a sua vida na cruz, e como não existem mais serviços cúlticos no Templo também não existem mais a figura do operador desses serviços, o ofício dos sacerdotes. Portanto, não existem sacerdotes destacados no corpo de Cristo, pois todos os crentes são igualmente ministros do Evangelho e são igualmente participantes dos tesouros da sua Graça. Contudo, ainda que não exista mais o caducado ofício dos sacerdotes cultuais, evidentemente existe hierarquia na igreja, que deve ser liderada, sob o senhorio do Rei Jesus, por anciãos (os mais velhos, sábios - ênfase na experiência), pastores (cuidadores de ovelhas - ênfase na função), bispos (superintendentes - ênfase administrativa) ou presbíteros (equivalente ao ancião de uma assembleia), todos esses termos são equivalentes, são sinônimos e intercambiáveis e que mudam conforme os textos apenas em função das ênfases do que cada uma dessas expressões significa. Então, a hierarquia na igreja é formada pela liderança de irmãos mais velhos na experiência cristã, os mais conhecedores das Escrituras e por isso mais aptos e sábios para ensinar as verdades da fé cristã aos demais a fim de que os outros também possam aprender, praticar e ensinar outros novos crentes. O ministério da Palavra na igreja é, nessa perspectiva, como uma corrida de bastão em que uma geração de crentes passa o conhecimento da Palavra de Deus para a geração seguinte, que por sua vez faz a mesma coisa com a próxima, fazendo assim com que a Palavra de Deus seja disseminada por todo o mundo e por toda a história, disseminando as sementes que o Senhor fará brotar onde Ele mesmo quiser, produzindo salvação por toda parte. 

Por isso, a distinção hierárquica no governo da igreja não é a mesma coisa que ter nela uma casta sacerdotal mais privilegiada espiritualmente e que seja distinta dos crentes comuns, como muitos pensam ser, pois o Senhor Jesus é o nosso único suficiente Sumo Sacerdote (e debaixo dEle todos os crentes são sacerdotes no mundo) e Ele é o único Mediador entre Deus e os homens. Debaixo dEle todos estamos nivelados e os líderes na igreja estão muito mais para professores numa sala de aula do que para o ideário corrupto que é praticado pelo catolicismo romano.

Assim, a ideia centralizadora na pregação da Palavra também tem causado danos no pleno ministério de todos os crentes, pois muitos tem se acomodado numa pregação centralizada em torno da qual os crentes orbitam, acomodados, quase como se o púlpito representasse novas formas de se praticar o santo lugar - e nesse sentido é praticada uma forma de idolatria. Para muitos é ali que Deus fala, e a palavra de Deus é o que o pregador falará a partir dos desdobramentos do texto lido, e não o próprio texto. Na prática, muita gente pratica a corrupção que diz que a Bíblia "contém" a palavra de Deus - uma vez que é seu subproduto pregado que seria a palavra revelada ou a "porção de Deus para aquela ocasião" - quando na verdade a Bíblia é , em si mesma, a Palavra de Deus, cabendo ao pregador apenas expô-la fielmente. Não são poucas as corrupções praticadas na idolatria dos púlpitos...

Deus fala com qualquer crente que foi reconciliado com Ele pela eficácia do sangue de Cristo. E ele o faz pelas Escrituras na iluminação do seu autor, o Espírito Santo, seja no culto público de adoração ou em qualquer circunstância. Por isso, não acontece nada de mais especial quando a Bíblia é lida e pregada num púlpito do que quando é lida e ensinada numa singela devocional familiar, pois a Palavra de Deus em todos os casos é a mesma, o Espírito Santo que inspirou o texto sagrado e que ilumina os crentes na sua leitura é o mesmo e o sacerdócio dos crentes é universal, sujeito aos mesmos poderes do Deus que nos fortalece na verdade tanto no culto dominical que nos foi ordenado, quanto numa leitura bíblica feita por qualquer crente verdadeiro de forma individual ou compartilhada.

Não é do ensino bíblico que se formou toda uma tecnocracia em torno da pregação e do ministério da Palavra centralizada nos púlpitos, e sim da filosofia grega e dos modos com que os filósofos aperfeiçoaram sua comunicação, sua dialética, por meio de técnicas de oratória e retórica - técnicas essas que certamente podem ser usadas no trabalho dos crentes e das igrejas, e elas foram absorvidas pelas igrejas desde o início da história do cristianismo, mas com o necessário discernimento de mantê-las no campo a que pertencem, como meras técnicas e habilidades humanas que são, coisas da carne que por natureza não são nem espirituais nem ordenadas por Deus e, portanto, não são centrais para que a Palavra de Deus seja pregada e ensinada. São apenas acessórios adicionais tanto quanto são a guitarra e a bateria para a realização dos louvores. Tire os instrumentos musicais e a eficácia dos louvores será rigorosamente a mesma - pode ser que a música fique menos agradável aos nossos ouvidos, mas não o será para o Deus que contempla os corações. Tire o aparato técnico e cênico das pregações, e pode ser que elas não sejam mais tão agradáveis aos nossos ouvidos, mas isso será irrelevante para o Deus que fala na força do seu poder e que convence pecadores acerca da verdade sempre e exclusivamente pela atuação e poder do Espírito Santo. Deus é o poder da eficácia da sua mensagem que a toda a igreja foi confiada para praticar e disseminar.

Ensinemos a Palavra de Deus! Por mim a figura dos púlpitos deveria dar lugar às conversas de mesa (e como eu as tenho preferido ultimamente!), nelas todos os crentes têm os seus "púlpitos", ou nos sofás, nas praças, nos parques, nos bancos dos ônibus, etc e em todos os lugares nós podemos comunicar as mesmas verdades de Deus, cada qual com o seu jeito de comunicar e se expressar, pois todos somos como vasos de barro, sempre imperfeitos e multiformes, mas que carregam em si um riquíssimo tesouro e nós podemos distribuir a riqueza e o poder do Evangelho sem a dependência centralizadora dos púlpitos - eles podem ter importância como modelo organizacional, uma técnica para que haja ordem e decência nos cultos feitos para Deus, contudo os púlpitos nunca foram ordenados por Deus e, portanto, nunca foram e não são imprescindíveis. O profissionalismo dos operadores do púlpito tem sido um desdobramento do ministério pastoral que em inúmeros casos tem sido corrompido. A institucionalização da igreja a tem corrompido sistematicamente, fazendo com que a potência da verdade seja condicionada aos interesses corporativistas de verdadeiras castas que, a pretexto de a servirem, em muitos casos a manipulam e subvertem - coitados desses homens! Deus os cobrará.


Veja também:

https://atitudeprotestante.blogspot.com/2023/12/pastores.html