Laodicéia
Esses nossos tempos são tão estranhos que já não basta o culto que deveria ser para a adoração a Deus ser transformado, em muitos casos, num entretenimento, num espetáculo de sentimentos e de emoções manipuladas que tem por objetivo servir às pessoas, à freguesia, com um produto terapêutico que as entorpeça e faça com que se sintam bem e encorajadas. Culto focado em Deus? Bobagem! O pragmatismo antropocêntrico gera frutos que enchem os olhos e - por que não? - também aos bolsos.
Tem sido reduzido a "preciosismo", ou "hipocrisia dos fariseus" e até "ridículo" valorizar o ordenamento bíblico, tratando como "legalismo" até mesmo as instruções sagradas do Novo Testamento. Pra quê atentar para os pormenores dos ensinos dos Apóstolos, como desdobramento e aplicação prática da obra do Senhor Jesus Cristo, se as tortuosas interferências e inovações dos homens parecem ser mais eficientes para que se alcancem os resultados que desejamos? "Fluidez" é a nova norma, não os velhos e pétreos fundamentos. Gostamos mais de psicologia e do marketing do que de doutrina. Por que adotar a disciplina bíblica se podemos fazer as pessoas se sentirem acolhidas de outras formas mais inclusivas?
Agora, em certos contextos, já não se pode mais falar para as pessoas que elas devem se arrepender dos seus pecados, pois deve-se simplesmente falar para elas sobre esperanças e consolações sem que se seja invasivo, nem que se corra o risco de ser ofensivo - ainda mais nesses tempos em que as pessoas se sentem ofendidas muito facilmente. Falem de Jesus sob medida para cada demanda, desmembrem-no ou criem uma caricatura, mas não falem de arrependimento de pecados nem da necessidade de conversão à fé exclusiva no Senhor conforme os rigorosos parâmetros bíblicos - porque esquecem-se que a porta é apertada o caminho que conduz à vida eterna é estreito.
Para quê pregar e ensinar textos bíblicos com todo o cuidado doutrinário, única fonte legítima de produção de fé, se podemos encher o recinto com música, com contação de testemunhos e com aconselhamentos da psicologia e de outras áreas pragmáticas? Para reforçar seus "pequenos desvios" nas constantes pitadas de fermento na massa, pastores que juraram lealdade aos fundamentos antigos agora se empenham para desqualificar até mesmo a teologia confessional. E na escassez de um pão ázimo eficiente para nutrir a fé dos crentes, dão a eles o pão fermentado dos entretenimentos. O que seria do culto se não tivéssemos algum grupo de louvor que nos agite nos shows gospels dominicais? Ouvir e cantar músicas motivacionais como se "deus" fosse um mordomo que me serve e que está ansioso para me "abraçar" como se fosse alguém carente e sempre querendo me abençoar como se eu fosse o centro do mundo é a preferência da maioria, e é isso que chamam de culto, ou melhor, de "nossos encontros". Comunhão é o que você "sente" nesse lugar, não a prática disciplinada e transformadora dos meios de Graça que foram ordenados por Deus para a prática quotidiana. Ouvir e compartilhar histórias de sucesso e de vitória e receber algumas instruções da psicologia ou do marketing empresarial atende aos anseios da maioria das pessoas. Bíblia? Só se for uma leitura bem rapidinha. Isso cansa e abordagens bajuladoras têm um efeito mais eficaz para que as pessoas se sintam acolhidas e amadas. Sermão expositivo? Não, pois nele não cabem as criatividades dos pregadores antenados e nós queremos novidades, queremos uma igreja contemporânea e relevante segundo os anseios do multiatarefado homem moderno!
E quanto aos pregadores? Ficou comum e recorrente muitos pastores transformarem a pregação e o ensino da Palavra de Deus num entretenimento impactante, num produto vendável e até mesmo num pretexto para a venda de viagens de turismo ao exterior, especialmente às terras bíblicas - lugares jamais visitados pelos pastores e teólogos fiéis ao Senhor que viveram antes da atual geração e a quem muitos se referem no bordão "somos como anões nos ombros de gigantes". Mercadejar a Palavra de Deus, uma prática execrada pelos Apóstolos, tornou-se comum nesses nossos tempos e bobo é quem não tira desse tipo de trabalho algum benefício mundano e não faz disso um comércio ou, no mínimo, recolha suas comissões. Afinal "uma mão lava a outra".
Tempos estranhos em que homens maus e indignos são alçados aos poderes como reflexo de uma sociedade decadente e muitas igrejas optam por viverem em bolhas onde ignoram esses fatos e sequer oram pelas autoridades e não se empenham na evangelização como a Bíblia manda. Igrejas inteiras que se resumem a entretenimento supostamente espiritual e praticam instrução rasa, panorâmica, superficial e terapêutica que não amadurece suas membresias, enquanto se omitem e se fecham na irrelevância diante das questões do seu tempo, e não se mobilizam em orações e ações nem quando ocorre alguma calamidade. Sal insípido, luz escondida e acovardada debaixo de um alqueire, ramo seco e infrutífero da videira prestes a ser quebrado pelo Senhor. Teu nome é Laodicéia, vai ver quem bate à tua porta, é alguém que está do lado de fora, não dentro das tuas reuniões de fraternidade em que vocês costumam se agradar do que são, quando, na verdade, deveriam estar com o rosto em terra em lamentos e em pranto. Se não te arrepender, o teu futuro será ruína.
*Laodicéia
Significa: "aquela que é justa com sua comunidade" e foi uma cidade a sudoeste da atual Turquia e que atualmente está resumida a escombros. Nela existiu uma igreja no período apostólico, há muito tempo extinta, uma das sete igrejas da Ásia a quem o Apóstolo João destinou sua mensagem do Apocalipse.
A antiga igreja de Laodicéia é um "tipo" para um estereótipo de igreja atemporal que está em pleno funcionamento, mas que tem substituído a fidelidade ao Senhor pelo apreço de si mesma a ponto de o Senhor Jesus ter ânsias de vômito devido à sua mornidão e estar do seu lado de fora, não dentro, aconselhando-a a que se purifique - Apocalipse 3: 14 a 22.