Pregar o Evangelho para povos não alcançados é muito diferente de pregar para pessoas mais familiarizadas com princípios cristãos.
Sábado, 29/07/2023, diversos membros da Igreja Presbiteriana da Mooca estiveram num "culto" (* entenda sobre o "Princípio Regulador do Culto") com refugiados de um país que tem sofrido com um regime totalitário que tem oprimido ao seu povo, gente estrangeira que está abrigada na ONG Aprisco, um local próximo de São Paulo que tem lhes dado muitas assistências como parte de uma rede de trabalhos humanitários onde coopera um casal de missionários (Marcos e Adriana) da nossa igreja (IPB Mooca).
A religião desse povo não é a cristã (são muçulmanos) e a sua cultura é profundamente influenciada pela religião oficial do seu país, que é hostil ao Evangelho.
Eu fui o encarregado de pregar a Palavra de Deus, e preguei em Isaías 43, versos 15 a 21 sobre "Deus ser o Senhor do caminho". O meu objetivo era apresentar o Senhor Jesus como o caminho verdadeiro para Deus, mas essa foi uma das experiências mais difíceis em pregações que eu já tive, pois, quando cheguei, me foi solicitado condensar a exposição da palavra a 20 minutos (porque outras coisas também deveriam acontecer naquela programação - e eu me atrasei na chegada, pois errei, que ironia, o caminho até lá) e eu tive que recortar a minha fala em frases curtas para viabilizar o trabalho do intérprete que fazia a tradução para a língua dos refugiados que estavam presentes no recinto. Quando cheguei o responsável pela ONG estava falando sobre o trabalho local e, intercalados por períodos com louvores, depois dele falaram a Adriana, a voluntária que tem trabalhado com refugiados, e o Francisco, o missionário da IPMooca que atua junto a encarcerados e seus familiares com o apoio de uma equipe de voluntários. Ambos fizeram uma exposição dos seus trabalhos.
E então chegou o momento da pregação, mas o intérprete pareceu ter sofrido com diversos dilemas ao deparar-se com a proclamação de uma fé que não era a sua. Dá para perceber suas relutâncias no áudio acima (no YouTube), ao não traduzir a oração inicial, suas longas pausas e a busca por ler os textos antes de falar. Pareceu claro, para mim, que ocorriam dilemas e lutas interiores do tradutor por ter que traduzir para aqueles ouvintes do seu povo conceitos e verdades sobre o Evangelho que, evidentemente, conflitavam com suas crenças - e eu não tenho como saber se ele traduziu a mensagem dada de forma fiel.
Fizemos o que foi possível fazer. O dever dos crentes é de pregar o Evangelho e não acobertá-lo, ainda que as verdades do Senhor se apresentem como uma espada que está ferindo aos seus ouvintes. Não existe outra forma de salvação de qualquer pessoa senão a oferecida pelo Evangelho que deve ser comunicado às pessoas. Ainda que pareça ter havido algum constrangimento por mim causado ao intérprete, eu estou consciente que a mensagem do Evangelho é a única Graça que pode salvá-lo, bem como ao seu povo (e eu tenho que confiar no poder daquele que ordenou a pregação). Caridades e assistencialismos não salvam ninguém, e pode ser que toda uma tragédia nos percursos de todo um povo tenha por propósito redirecionar os eleitos de Deus dentre essas pessoas para o Senhor Jesus. Deus é o Senhor da história, o Senhor Jesus é o Rei dos povos e nada escapa do seu poder soberano e perfeito! Sei que a proclamação do Evangelho é uma das maiores manifestações de amor que pode ser demonstrado por alguém, apesar dos possíveis constrangimentos, pois nada é tão dignificante quanto receber as verdades libertadoras do Senhor Jesus Cristo, e que o Espírito Santo opere naquelas consciências e transforme essas vidas - nos seus eleitos Ele o fará, impreterível e irresistivelmente.
Além dessa dificuldade em comunicar as verdades bíblicas, foi necessário condensar a exposição do sermão para que o tempo que dispúnhamos fosse utilizado também para as abordagens instrucionais sobre o trabalho social que é feito no local. Ou seja, condensar, mutilar e fracionar a pregação e confiar na complementação do trabalho feito na tradução de um descrente que é fiel de uma religião que normalmente induz seus seguidores a detestarem o Evangelho - isso seria uma receita de sucesso?
Só milagre! (Mas sempre é milagre!)
Ficou claro para mim que os pregadores e missionários que trabalham com povos não alcançados têm o seu trabalho dificultado em muitas vezes porque têm que trabalhar muito mais para criarem oportunidades reais de comunicação das verdades de Deus e essas oportunidades não são tão disponíveis e recorrentes quanto as que os crentes brasileiros estão acostumados, por causa das liberdades de expressão e de culto que temos disponíveis.
Ou seja, normalmente desperdiçamos nossos amplos recursos e aproveitamos muito pouco das vastas oportunidades que temos, inclusive para aprender/ensinar a Palavra de Deus e agir em missão cristã em contraste com aqueles que têm muito a fazer com pouquíssimos recursos. Olhando superficialmente, as coisas parecem injustas, a maioria de nós faz muito pouco com o muito que temos e muitos fazem muita coisa com o pouco que possuem.
Mas Deus, o Senhor da obra, faz os seus milagres, fazendo germinar as poucas sementes que são disseminadas por toda a parte e multiplicando frutos onde e quando Ele, soberanamente quiser, e se quiser. Pois a obra é dEle, a glória é dEle e nós, os seus servos, fomos chamados para sermos seus cooperadores, uma grande dignidade!
Missões cristãs X aventuras missionárias:
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(*) Escrevo esse texto como necessidade que surgiu de questionamentos sobra a palavra "culto".
Veja mais a respeito em: