(promover desestabilidade por causa de meros detalhes)
Em 1997 eu precisei manter firme minha posição contra algumas práticas que eu considerava serem distorções espirituais na comunidade religiosa da qual eu era membro, mesmo em oposição a toda a liderança e contra quase todo o resto da membresia que incluía pessoas por quem eu tinha forte apreço. E manter posição junto de tão poucas pessoas diante de uma maioria que tinha o poder de coerção não foi um exercício fácil, nem agradável, nem vantajoso do ponto de vista pragmático e dos ganhos que as boas convivências e os corporativismos proporcionam. Fui eu quem mais se prejudicou por lutar por caprichos, por detalhes dispensáveis.
E qual era a questão? Éramos uma igreja pentecostal e os misticismos, o profetismo, as ênfases em visões e na glossolalia eram as marcas mais destacadas nos cultos sempre muito lotados e disputados por milagres e por revelações, especialmente da parte do pastor-profeta - porque quase sempre o sucesso e a audiência de uma igreja são formados pelo carisma e trabalho do líder local, em torno de quem o resto da liderança orbita. Assim, o líder local adota um modo de trabalho e ajunta-se a ele aqueles que concordam, que gostam e que de alguma forma de sentem beneficiados e atraídos pelo seu modo de trabalhar, pelas suas preferências, pela sua hermenêutica, por aquilo que ele tem a oferecer.
Nessa igreja em questão o líder oferecia um tipo de cristianismo místico em que constantemente o povo se via diante da possibilidade do sobrenatural e da manifestação do poder iminente. E eu convivi com essa abordagem e universo por dois anos, tempo em que pude desenvolver o meu próprio ministério e costumava cooperar como pregador em cultos durante a semana e também na mocidade, chegando a ficar em observação para ser consagrado pastor dos jovens (essa foi a primeira das duas vezes em que a expectativa pelo pastorado foi frustrada por divergências com a igreja) até que as contradições das práticas espirituais que eu via e experimentava se tornaram muito grandes com o que eu lia na Bíblia, e ficou inadmissível, para mim, fazer a política do "deixa disso" e me lancei à tentativa de tratar dessas coisas mesmo com grandes prejuízos para mim mesmo.
Hoje tenho muitas outras contradições e erros a pontuar sobre aquele contexto religioso, mas na época, 1997, me foram destacadas duas contradições que precisavam ser corrigidas: 1) o misticismo não bíblico experienciado em larga escala com muita gente falando em línguas estranhas e entrando em êxtases durante os cultos em divergência com os ensinamentos bíblicos e os profetismos imprecisos, falhos e em excesso; e 2) a prática recorrente e comum de se praticar a acepção de pessoas nas atividades da igreja, porque uma vez que os cultos eram muito concorridos (porque as pessoas buscam profecias, revelações e milagres com qualquer charlatão, milagreiro ou cartomante), era prática comum a liderança fazer reserva de lugares para acomodar as pessoas ricas, os empresários, os artistas de TV, os jogadores de futebol, porque essa gente também queria alguma bênção do profeta e como as suas ofertas eram diferenciadas, e eles serviam como propaganda, então eram-lhes reservados lugares privilegiados, no púlpito e no seu derredor, em contraste com a gente comum que ficava de pé nos corredores. Assim era praticado o "uma mão lava a outra" na versão gospel (e não pense que esse é um "privilégio" daquela igreja...)
E então, eu e mais dois amigos participamos de uma reunião com toda a liderança da igreja (cerca de 20 pessoas) para tratarmos das nossas divergências - e a palavra de uma das líderes, a que deu o tom naquele concílio, foi: "isso é capricho", pois, segundo ela, ali se pregava a Palavra de Deus e vidas eram salvas, transformadas e libertas e os motivos das nossas diferenças eram meros detalhes dispensáveis, "caprichos" de gente que fica procurando o que criticar porque o importante é que ali se serve a Deus e aquele ministério estava dando muitos frutos (só se atira pedras em árvores frutíferas) - o errado era eu!
Não é de hoje que eu pus na cabeça que na obra de Deus não é admitida a corrupção. Aliás a corrupção não é aceitável em coisa nenhuma. Mas na igreja deve-se primar pela fidelidade e ainda que "pequenas distorções" ajudem a obter grandes resultados - porque as pessoas se sentem mais facilmente atraídas por soluções mágicas, fáceis e prazerosas em contraste com as exigências do Evangelho - e daí se decorre que muitas vezes, e talvez na maioria delas, os grandes resultados são apenas os frutos podres de uma abordagem evangélica corrompida e, por isso, ao contrário do que muitos advogam, a distorção - que é mentira - não liberta, não salva, não nos aproxima de Deus mas sim, do oposto disso, nos aproxima apenas de uma concepção idealizada de deus, um deus inventado sob medida para servir às aspirações das pessoas, um ídolo.
Reduzir o debate a "capricho", os apontamentos para as corrupções como detalhes dispensáveis é assumir a corrupção como parte intrínseca da obra de Deus, uma coisa impossível ao Deus Santo que exige fidelidade à sua Palavra, à sua Lei.
Obs. Neste texto eu quis pontuar apenas o tema do "capricho" (ou do seu correlato "mimimi" - que também já ouvi), do esforço de muita gente não querer corrigir seus "pequenos", mas adorados, desvios. Mas deixo claro que ministérios proféticos que praticam misticismos estravagantes são distorções bizarras do Evangelho, e que pastores-profetas dados a profecias, revelações e curanderismos são apenas falsos pastores e falsos profetas, são lobos, são charlatões que disseminam mentiras.