O perdão de pecados por Deus é dado às pessoas única e
exclusivamente por causa dos atos de Cristo - por causa do seu sofrimento e morte
na cruz (seguida pela sua ressurreição) para pagar as penas devidas pelas nossas transgressões da Lei de Deus - e esse perdão completo e eficaz é concedido aos eleitos, os salvos, àqueles que são
transformados em filhos de Deus pelo seu próprio poder e exclusivamente por obra
da sua Graça.
Mas o perdão eficaz exige um requisito: o arrependimento.
Para ser perdoado por algo o pecador deve arrepender-se do que fez, caso
contrário o perdão que lhe seria concedido seria um desperdício de virtudes e uma
demonstração de complacência diante do mal, seria como liberar o criminoso de
suas penas sem que esse criminoso realmente se importasse com o que fez, seria
um ato de injustiça. Mas, no conceito divino, a relação perdão-arrependimento-regeneração
funciona diferente das noções humanas de justiça pelo simples fato de que o
padrão da justiça divina é muitíssimo elevado se comparado com as imperfeitas e
decadentes virtudes humanas. Nossas mais elevadas virtudes não passam de farelo sujo com ofensas
em comparação com o alto padrão da santidade de Deus. Por isso não há como
satisfazermos as exigências elevadas do perdão de Deus com nosso suposto
arrependimento, que de tão débil cede facilmente a outros pecados
consecutivamente – pedimos perdão pelo pecado de hoje, mas amanhã ou depois
cometemos outro - ao passo que o perdão divino é definitivo, Deus não mente e
não se contradiz e uma vez perdoados por Ele o mal que cometemos não será levado em conta, mas é lançado no fundo do mar do esquecimento.
Então, no que diz respeito à nossa relação com Deus como
pecadores e Ele Santo e perdoador, essa dinâmica é bastante diferente daquilo
que julgaríamos justo nas nossas relações humanas: o próprio Deus garante os
meios necessários para a eficácia do seu perdão mesmo diante dos sucessivos e
fracos arrependimentos humanos porque Ele é o principal interessado em nossa
salvação – pelo menos o único interessado até que tal interesse e virtude sejam
em nosso coração plantados por Ele mesmo através do trabalho transformador do
Espírito Santo. Ou seja, até mesmo o desejo e a alegria pela salvação, assim como o arrependimento,
o amor por Deus e a fé (entre outros dons e virtudes) são coisas dadas por Deus
às pessoas e não são produzidas em nós por nossa vontade ou esforço e também
não fazem parte da nossa natureza. Os milagres da regeneração e da santificação
são operados por Deus na vida dos crentes, incluindo os princípios, os meios e os fins para a sua realização.
Assim, sobre a relação perdão- arrependimento, devemos
entender que o arrependimento é um comportamento que não pode se restringir apenas
ao início da vida cristã na chamada conversão, mas é uma prática constante na
vida de um cristão ao passo que durante toda a vida somos tentados, e muitas
dessas vezes caímos em pecados diversos, em graus maiores ou menores, e que durante
todo esse processo que é viver em Cristo, a Graça divina sempre apontará para a
santificação continuada, para a virtude e para a verdade numa luta constante de
influências onde a salvação nunca poderá ser perdida e onde a Graça triunfará.
Ou seja, a salvação é perfeita porque é um ato divino e definitivo ao passo que
o arrependimento é imperfeito na medida em que é uma resposta humana à Graça de
Deus. Os nossos arrependimentos, assim como qualquer virtude humana, sempre
estarão manchados por nossas imperfeições e limitados por nossa finitude.
Esse trabalho divino nas vidas dos crentes, regeneração (fazer nascer uma vida nova) e a santificação (o aperfeiçoamento progressivo em semelhança ao caráter de Jesus), terá
somente na Glória, na vida futura com Cristo no paraíso, a sua completa
manifestação – somente lá seremos perfeitos e imunes ao pecado e aos seus
efeitos e enquanto essa plenitude de vida não é alcançada nós a vislumbramos
por fé, baseados nas promessas de Deus enquanto vivemos essa vida, na qual
ainda lutamos contra o pecado e ainda somos suscetíveis a ele - mas também estamos
seguros por causa da Graça de Deus que nos foi dada e na qual devemos nos firmar - a fé e o amor por Deus são evidências da segurança da salvação.
Essa talvez seja a principal batalha pessoal dos cristãos (mas não é a única):
perseverarmos no caminho de Cristo enquanto lutamos contra nossa própria natureza
suscetível às diversas formas de pecado num mundo caído e hostil à Graça de
Deus e que já está condenado à ira da implacável e perfeita justiça do Todo-Poderoso.
Nessa trajetória da vida nós sofremos altos e baixos e infelizmente
ela pode ser marcada por fortes crises ou pelo enfraquecimento de fé diversas vezes, uma
ameaça real que pode nos levar a sucumbir e ceder novamente à prática de
pecados. Somos fracos... Por isso, infelizmente é possível que um salvo por Deus experimente
verdadeiros “vales de sombras e de morte” através de angústias, sofrimentos,
enfermidades, medos, etc... ou pior, esses vales podem ser vivenciados através
de pecados pessoais, de vícios, de traições, de crimes e entre muitos outros
pecados mais ou menos extremos alguns acabam se rendendo à proposta tentadora de fuga que o suicídio
oferece (porque na maioria das vezes quem tira a própria vida o faz porque está
procurando não acabar com sua existência, mas, num estado de falta de lucidez,
acabar com sua profunda angústia, sem contar os casos motivados por graves doenças
psicológicas ou cerebrais, coisa de ordem química e biológica).
Será que perderam a salvação aqueles que
verdadeiramente foram salvos um dia, aqueles que demonstraram uma fé verdadeira e um
amor verdadeiro por Deus durante uma importante etapa de suas vidas? Se considerarmos
que a verdadeira fé e o verdadeiro amor por Deus são dádivas dadas por Ele
mesmo, e que Ele não comete injustiças e que seus dons são irrevogáveis, nós
podemos concluir, com confiança, que quem possui fé verdadeira nunca o negará
verdadeiramente e quem ama a Deus de verdade esse amor nunca deixará de existir,
porque essas virtudes são apenas reflexos de algo maior e mais poderoso que é a Graça divina, e absolutamente nada pode
separar alguém do poder do seu amor, nem mesmo tormentos que podem ocorrer em
tempos de fraqueza pessoal e que podem levar um salvo e filho de Deus a
desesperar-se. Podemos afirmar que os verdadeiros salvos nunca perderão a sua
salvação, ao passo que os falsos convertidos nunca foram salvos de fato (e não
existe salvação para ser perdida nesses casos). Também não cabe a nós tentar
discernir os falsos dos verdadeiros crentes, o joio do trigo. Esse julgamento
pertence somente a Cristo e quem se atreve nisso comete pecado.
Mas temos que atentar para a verdade de que se um crente enfraquece em sua fé e acaba cedendo ao pecado é exclusivamente por fraqueza e irresponsabilidade dele em não utilizar-se adequadamente dos meios de Graça (oração, comunhão, vigilância, etc) para manter-se firme que um estado de obscuridade espiritual o atormenta. Todos colhemos o que plantamos, tanto para bem como para o mal - essa é uma lei universal, e na vida cristã não deveria haver espaço para a indolência espiritual. Mas mesmo esse estado decadente, que pode ser provisório e que é comum a todos, não é capaz de anular o que Deus fez, faz e fará.
Somente poderemos entender a eficácia da salvação quando entendermos
que ela não é e nunca esteve baseada nas pessoas e que ela não se concretiza
por causa do que fazemos, sejam atos bons e virtuosos para que a salvação se
cumpra ou atos ruins e reprováveis para que a salvação seja perdida. Ela não
existe e não é realizada por causa da igreja, também não é alcançada como
consequência da fé pessoal – embora a fé seja fundamental para a salvação no
sentido de que a fé é um dom divino que nos é dado para respondermos positivamente
ao seu chamado para seguir a Cristo e para viver em fidelidade à sua vontade em
sua presença, embora não o possamos ver (ou sentir e comprovar sua existência concretamente - de acordo com os meios materiais humanos) enquanto vivemos nessa atual realidade
transitória. A fé é uma resposta necessária e real, uma reação vivificadora do Evangelho (a boa notícia) que desperta nossos sentidos para realidades maiores que as limitações materiais, porém a fé é posterior a uma ordenação divina para a vida, a sua Graça salvadora.
Os cristãos são chamados para a virtude, mas ainda são
suscetíveis ao mal e por isso suas vidas devem ser marcadas pela submissão
servil a Deus, pela perseverança e pela vigilância. Os resultados dessa disciplina é uma vida cristã vibrante e frutífera! Mas todos nós sabemos que
vacilamos freqüentemente e a própria Palavra de Deus é repleta de registros
sobre essa realidade, afinal “o bem que desejo eu não faço, mas o mal que
reprovo esse eu faço... miserável homem que sou!”
Para os salvos, todos os seus pecados já foram vencidos,
pagos e perdoados por Cristo antes mesmo desses pecados terem sido praticados e
antes mesmo dessas pessoas existirem. Deus não está limitado naquilo que nós chamamos de tempo. Cristo manifestou-se no mundo
naquilo que o Novo Testamento chama de plenitude dos tempos no sentido em que
toda salvação, todo perdão divino e toda salvação ocorridas em todos os tempos
ao longo da história, e a isso estão incluídas todas as pessoas que viveram
muito antes ou muito depois de Cristo e em todos os lugares... Todos os eleitos
de Deus foram salvos exclusivamente pelos atos do Filho de Deus, e esses atos
ocorreram num momento histórico e numa época central em toda a existência em
conformidade com os planos divinos que incluem toda a eternidade. De um ponto
específico na história fluiu toda a Graça necessária para cobrir toda a
eternidade. Cristo veio ao mundo uma vez como cordeiro para ser sacrificado
para salvar e para reivindicar para si tudo o que lhe pertence, e um dia Ele
voltará para apropriar-se, vitorioso, do seu prêmio: pessoas redimidas, salvas e um
mundo refeito para a sua glória numa nova realidade chamada de “novos céus e
nova Terra”.
Porém, os que não foram salvos permanecerão como são por natureza:
réprobos, amantes dos seus pecados e eternamente banidos do Deus Santo que é a
fonte de toda vida e por isso esse estado miserável de existência à parte de
Deus no chamado inferno é um lugar de juízo e de uma terrível morte eterna (ausência
da Graça de Deus, mas não da sua justiça) – afinal foi baseados nisso que esses
viveram suas vidas...
Num ato central na história – Cristo – a salvação foi
consumada e não há absolutamente nada que possamos fazer para desfazê-la nas
vidas daqueles que foram alcançados por seu poder soberano. Resta a nós simplesmente nos curvarmos ao seu senhorio em devoção e em adoração, dizendo-lhe do fundo dos nossos corações que precisamos do seu perdão e da sua salvação e que precisamos serví-lo.