08/08/2023

Por que os protestantes não beatificam outros crentes que são modelos de fé, mas contam os seus testemunhos?


Por que os protestantes não beatificam outros crentes que são modelos de fé, mas contam os seus testemunhos?

"Esta saudação é de próprio punho, de Paulo. Lembrai-vos das minhas cadeias. A graça seja convosco."

(Colossenses, 4: 18)

A Bíblia é repleta de recomendações acerca de "lembrar-se" dos testemunhos de fé de outros crentes, vivos ou mortos, tanto para usarmos de compaixão para com os que sofrem como para o estímulo da nossa fé ao atentarmos para o alto valor da fé dos crentes fiéis. 

No final da sua carta aos Colossenses, o Apóstolo Paulo escreve de próprio punho uma breve saudação onde inclui um pedido, o de que seus leitores se lembrem das suas cadeias, dos seus sofrimentos por causa de Cristo. E considerando a atemporalidade e a inspiração das Escrituras, esse registro atendia uma demanda imediata e também se estende para um sentido mais amplo, e nesse sentido não nos é mais possível praticar alguma ajuda ao Apóstolo (possivelmente a demanda imediata), mas ainda nos é possível lembrar dos seus sofrimentos de forma didática, como estímulo à fé dos seus leitores em qualquer época. O testemunho e os sofrimentos de Paulo continuam pregando, corroborando a mensagem do Senhor a quem ele servia.

Hebreus 11 é uma famosa "galeria de heróis da fé" que tem esse propósito, o de estimular à fé no Senhor Jesus usando o recurso da descrição de alguns atos de crentes ao longo da história, cujos testemunhos são relembrados e isso é muito diferente deles serem usados para algum tipo de devoção a eles dirigida. Nenhum cristão verdadeiro comete o pecado de atribuir a esses ou a outros heróis da fé as devoções que somente ao Senhor devem ser dadas. Nenhum crente em Jesus que sabe que somente Ele é Mediador entre Deus e os homens ora a Moisés, nem a Davi, nem a Daniel, nem a Elias, nem a Maria, nem a Calvino.

Alguns costumam acusar os cristãos reformados de "beatificarem" alguns dos seus heróis de fé. E essa acusação é desonesta, é essencialmente maldosa. Talvez, primeiro precisamos entender o que é "beatificação" e o que é um "beato". Na igreja católica pratica-se a distorção de fé de se venerar aos "santos", e para eles essa veneração é bastante diferente da lembrança dos seus testemunhos de fé, pois consiste, também nas práticas de orações a eles dirigidas. A teologia católica ensina que os santos, dentre eles Maria, intercedem por nós como auxiliadores das intercessões do Senhor Jesus Cristo, como se as intercessões do Senhor não fossem suficientes e como se ajudas de outros fossem possíveis. Além de, supostamente, ouvirem as orações dos católicos - e nenhum santo faz isso - os santos são objetos de contemplação mística, espiritual (normalmente através de imagens amplamente condenadas na Bíblia) e para tentarem se eximir do pecado de idolatria, a teologia católica inventou a expressão "veneração" para tentar distinguir as devoções aos santos da adoração que somente a Deus deve ser feita. Na prática os fiéis dos santos se apegam a invenções tanto visíveis como imaginárias (ambas são práticas de idolatria) que são colocadas entre as pessoas e Deus. São muletas e penduricalhos que desviam da fé que seria suficiente em Cristo. E os "beatos" são, segundo a teologia católica, aqueles que já desfrutam das bem-aventuranças celestes (gente que já morreu e que está com Cristo) e que está num processo de reconhecimento por parte da igreja católica romana de ser reconhecido como um santo - isso porque eles dizem existir evidências, que estão sendo analisadas, de que esse beato faz milagres. Ou seja, as pessoas já têm orado a ele e o têm venerado e crêem que têm recebido suas bênçãos.

Mas os crentes em Jesus sabem que o Senhor é suficiente. Sua obra para a redenção, sua mediação entre Deus e nós e a sua intercessão pelos crentes que estão no mundo não precisam de nenhuma ajuda dos crentes (santos) que já morreram. Cristo basta! Por isso os cristãos reformados não beatificam ninguém e não tratam ninguém como santo no sentido de que o seu modelo, consagração e identificação com o Senhor, por mais iluminados ou bem-aventurados que sejam, jamais os tornarão aptos nem dignos para nenhuma forma de veneração ou adoração, porque essas práticas são corrupções da fé e peca gravemente quem as ensina e quem as pratica - pecados que requerem ARREPENDIMENTO, e não o reconhecimento, a aceitação ou a sua celebração. Não existe fraternidade ou unidade cristã no erro, na rebelião contra o Senhor. A nossa fraternidade e união são na verdade, na incorrupção do Evangelho e na fidelidade ao Senhor. Somente Deus deve ser adorado, Ele não divide a sua glória com ninguém e nenhum dos santos, sejam os crentes que já estão na glória com o Senhor Jesus ou os anjos, ousariam usurpar da glória do Senhor, seja (supostamente) aceitando venerações ou ouvindo orações dos crentes que estão no mundo.

Então, quando os cristãos reformados fazem memória dos seus "heróis da fé", eles o fazem com um propósito que não inclui devoções aos mortos, beatificações ou outras mentiras que foram introduzidas por falsos mestres e absorvidas por outras tradições cristãs que corromperam a fé no Evangelho. O propósito dos reformados é de estímulo à fé tendo por vista, também, atentar para os modelos de fé que nos servem de exemplos, ainda que de pessoas imperfeitas (como nós) mas que ainda assim são exemplos valorosos. E justamente porque são valorosos, muitos deles praticavam a humildade de não falarem de si e de desejarem o oposto do que queriam os fariseus que almejavam as glórias dos homens e os seus reconhecimentos - como ocorre, fartamente, entre os corruptores da fé, entre os falsos mestres e falsos profetas que muitas vezes corrompem a religião e usurpam as glórias de Cristo.

Por tudo isso, os testemunhos dos bons servos de Cristo costumam ser contados, não pelos seus próprios lábios, mas pelos lábios de outrem.

"Seja outro o que te louve, e não a tua boca; o estranho, e não os teus lábios."

(Provérbios, 27: 2)