Cristãos perdoam.
Mas existe uma grande diferença entre perdoar e saber quando é necessário resistir ao ofensor.
O perdão é exigido quando o mal é feito contra você e, como cristãos imitam ao Senhor Jesus, eles perdoam a quem lhes fez mal. Até mesmo na cruz o Senhor orou ao seu Deus e Pai pedindo a Ele que perdoasse aqueles que o maltratavam (Lc. 23: 34).
Perdão é crer na superioridade da Graça de Deus diante do poder do pecado. Se o pecado degenera, separa, agride e rouba o perdão é instrumento de restauração, de união, de paz e de restituição.
É exigido por Deus que todo pecador se arrependa, e é exigido dos cristãos a disponibilidade de perdoar até mesmo incondicionalmente, porque o perdão é sempre uma virtude muito maior (e é sacrificial) do que o mal sofrido.
Mas não é somente o perdão que é requerido por Deus, porque, por ser uma virtude, o perdão jamais deve ser uma ação que valida nem reforça injustiças. O perdão é uma ação para lidar com pecados, não para consolidar pecados.
O perdão mal administrado, por exemplo, legitimaria crimes - e isso é impossível na perspectiva do Justo Deus! Veja, a má compreensão do perdão faria com que alguém que foi assaltado simplesmente perdoasse ao ladrão e, perdoar nesse caso (de forma mal compreendida) seria não atribuir culpa, inocentar o criminoso que, impune, simplesmente prosseguiria em suas práticas más sem sofrer a reprimenda e as justas penas que lhes são devidas. E toda pena tem pelo menos dois objetivos: disciplinar o criminoso visando a sua correção e livrar a vítima ou a sociedade de quem lhes faz mal.
O perdão é a ação do agredido pelo seu agressor, uma disposição verdadeira de querer o bem e não retribuir o mal recebido. Mas ignorar a justiça não é fazer o bem, é fazer o mal, é deixar o mal livre. Então o verdadeiro perdão que visa o bem e é virtuoso também requer a justiça como forma de se fazer com que o mal cesse e que o criminoso/ pecador seja transformado, restaurado, substituindo as práticas nocivas por virtudes.
Uma característica do perdoador é que ele mesmo se esforça para que seu agressor seja redimido. E para ser redimido o perdão não requer a destruição do agressor, mas isso é diferente de não querer que seja confrontado, corrigido, disciplinado e que responda à Lei.
Em termos práticos, um crente que foi assaltado não retribuirá o mal com o mal, mas chamará a polícia e quererá que o assaltante seja preso. Mas quererá também que ele tenha a sua vida mudada, que não seja mais um bandido e sim uma pessoa honrada, que seja salva, e o crente agirá para isso acontecer, nem que seja "apenas" por meio de orações.
Crentes retribuem o mal com o bem tantas vezes quantas forem necessárias.
É por isso que a mesma Bíblia, a mesma Palavra de Deus, no Novo Testamento nos ensina a perdoar (Mt. 6: 12) e também nos ensina a agir com severidade, se necessário, expulsando alguém da igreja por causa do seu pecado grave, cínico e recorrente, entregando essa pessoa a Satanás (1 Co. 5: 5). Ué, não era caso de simplesmente "perdoar" o irmão e acolhê-lo em amor? Entregar a Satanás parece ser a pior das coisas... mas não! O texto deixa claro o objetivo, pois pelos sofrimentos, até mesmo os mais severos, o que se pretende é a salvação da pessoa. Pecados precisam ser tratados e não existe amor sem disciplina (Hb. 12: 6).
O perdão tem preço.
Para nos dar o perdão de Deus-Pai o Senhor Jesus teve que tomar sobre si mesmo os danos dos nossos pecados e arcou com as penas da Lei de Deus que deveriam ser punidas em nós, os verdadeiros criminosos perante Deus por sermos pecadores. E foi somente por causa desse cruento pagamento de penas que foi feito no holocausto da cruz que nós podemos ser perdoados por Deus pelos nossos pecados.
Não existe, simplesmente, o esquecimento de pecados. Pecados precisam ser lidados, tratados, corrigidos. Você perdoar é uma coisa ordenada por Deus, mas isso não torna o mal do pecado imediatamente resolvido.
Dessa forma é impossível simplesmente se requerer perdão por alguém que continua nas mesmas práticas do erro, do crime, do pecado sem os complementos do perdão nas ações necessárias que visam as mudanças em quem comete esses erros. Simplesmente dar por resolvida uma demanda por causa do perdão pode ser uma celebração de cinismo, a acomodação nas práticas do erro às custas da virtude do perdoador. É cínico o marido que se acostumou a agredir sua esposa porque foi imposto a ela que deve perdoar seu marido sempre, mesmo sem o arrependimento do seu agressor. Esse mau marido perdeu a vergonha e o temor de sofrer consequências. É cínico um presbítero que apoiou e continua apoiando ideias anticristãs como a promoção do aborto e das complacências com criminosos e simplesmente requer sua continuidade nos cargos de liderança de uma igreja às custas de um tipo genérico de perdão que é imposto a quem se escandaliza com essa mácula na igreja para manter uma "fraternidade". O seu mal incorrigido e cínico corrompe o propósito de ser da igreja.
Pecados não devem ser acobertados, coexistindo cinicamente debaixo do tapete do perdão. Perdão não é para tapar pecados escondidos, é para tratá-los, liberando a pessoa ofendida do seu pesado fardo porque perdoou e está livre da demanda que agora está posta diante do Justo Juiz e que agora precisa ter os desdobramentos de conserto do ofensor, conduzindo-o, na medida do possível, a uma possibilidade de redenção - ou, na sua recusa, de expurgo, de expulsão e de penalização para não corromper as demais pessoas do meio onde está estabelecido com suas práticas más e recorrentes.
Veja também:
https://atitudeprotestante.blogspot.com/2023/07/erguendo-muros.html