15/06/2010

Uma reflexão sobre o mistério da Triunidade de Deus e a divindade do homem Jesus conforme Filipenses.



Filipenses 2, versos 5 a 11:

5 De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,
6 Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus,
7 Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens;
8 E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.
9 Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome;
10 Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra,
11 E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.


O trecho da carta de Paulo aos Filipenses transcrita acima foi para mim um texto de grande importância para a minha vida cristã. Num momento eu que eu passei a querer entender os fundamentos da fé cristã, deparei-me com um dilema que o bom senso não conseguia resolver. Eu sabia que Deus é um, é único e que não existem outros deuses além dEle e, sendo assim, todas as tentativas de se elaborar ou compreender uma divindade que não seja o Deus bíblico é engano e odioso pecado.

Minha angustiante e sincera questão era a respeito da divindade de Jesus. Eu já era consciente da existência de um Deus único, mas como compreender a unicidade indivisível de Deus nas pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Como conceber o Jesus Cristo bíblico, histórico, o servo sofredor como sendo o Soberano criador dos Céus e da Terra e como compreender a pluralidade de pessoas num único e Todo-poderoso ser? Na matemática três não podem ser um e por isso minha razão lutava para compreender essa definição da teologia enquanto que meu coração se carregava de culpa por causa do questionamento lançado a Deus. Se três formam um, então cada uma das pessoas seria uma parte fracionada e por conseqüência incompleta, pois carecia das outras duas partes para formar o Um e, portanto, cada parte seria imperfeita à parte do Um. Tal pensamento lógico levantou uma questão estúpida acerca da possível fracionalidade de Deus, como se Deus se dividisse na pessoa do Pai, na pessoa do Filho e na pessoa do Espírito Santo. Ele não se divide, ao contrário, Ele subsiste de maneira imutável e eterna nessas três pessoas, que ao mesmo tempo em que são um, este um também é plural por causa da relação que existe entre as, assim compreendidas, três pessoas da divindade que a nós foi revelada pelas Escrituras. Ou seja, um é diferente do outro e assim podemos compreender como pessoas distintas ao mesmo tempo em que os três não formam um, Eles simplesmente são Um.

O termo “Trindade” foi cunhado por uma teologia posterior ao texto bíblico e, portanto, não consta nas Escrituras. Tal terminologia foi elaborada justamente por causa dos questionamentos acerca da natureza divina e dos perigos que tais questionamentos e suas possibilidades gerariam. Deus é um só, ao mesmo tempo em que o Pai a quem Jesus orou é Deus, o próprio Jesus é Deus e o Espírito Santo, o outro Consolador, também é Deus. Nota-se que cada uma das pessoas não constitui um Deus, mas cada uma delas é Deus. Nota-se também que as pessoas da Trindade são distintas, pois Jesus orava ao Pai e foi sucedido por outro Consolador, ou seja, como cunhou a Teologia, uma outra pessoa diferente da sua pessoa. Embora sendo outra pessoa com funções distintas, trata-se do mesmo ser divino. É outro mas é Ele mesmo.

Talvez, essa “economia” divina nos seja evidenciada para fins didáticos por conta das diferentes atribuições de cada uma das pessoas do Ser de Deus. O Pai gera, o Filho redime e o Espírito Santo ministra e talvez tal enumeração de pessoas é a nós conhecida para que tenhamos condições mínimas de compreender o ser divino que é a nós impossível de ser compreendido, medido ou humanamente definido. Somos um grão de areia que se atreve a dialogar com o Universo, e às vezes achamos que podemos manter um diálogo em pé de igualdade.

Essa divisão de pessoas não é criação humana, não é produto de quem quer e se esforça para compreender o ser de Deus, ao contrário disso, é a maneira como o próprio Deus se apresentou a nós em Jesus Cristo, pois Ele se manifesta com amor, como Pai que busca relacionar-se com filhos que foram feitos à sua imagem e semelhança. Embora sejamos mero grão de areia diante do Universo, às vezes nos portamos com certo atrevimento por conta das muitíssimas semelhanças que existem entre o nosso ser humano e o Ser divino. Deus é inatingível por conta de sua natureza tão contrastante com a nossa natureza pecadora e limitada, mas ao mesmo tempo existem muitíssimas coisas comuns entre Deus e nós, pois fomos moldados por Ele mesmo e Ele nos deu vida de uma maneira toda especial, à sua imagem e semelhança.

Há algo de especial na criatura humana. A única marcada com a imagem e a semelhança de Deus dentre toda a criação. A única que sempre foi, desde sua criação, procurada pelo próprio Deus para um relacionamento, para conversas no final da tarde. A única que sempre foi objeto do amor do criador e que, mesmo depois de ter-lhe dado as costas na rebelião do pecado, continuou a ser o objetivo de Deus num mundo condenado.

Mas, quanto a esta relação de amor que existe entre o Criador e sua criatura humana e que é a razão da existência humana, por causa do estrago que o homem causou a si e à criação em seu ato de insurgência, cometendo o injustificável pecado, a justa natureza divina exigiu que a justiça fosse praticada com o derramamento de sua ira por causa do mal cometido para saná-lo. A relação foi quebrada pelo homem, e o homem teria que restabelecê-la, embora não pudesse por causa de suas novas limitações adquiridas com a agora natureza pecaminosa. Como poderia o homem satisfazer a exigência da perfeita justiça com ofertas ou ações maculadas, com imperfeições. Tudo o que o homem faz está impregnado pelo pecado que o nutre, possui e norteia. Ele não mais tinha méritos para reassumir seu antigo lugar de honra e de destaque na presença de Deus. Embora a raça humana esteja decadente, ainda havia nela algo de especial aos olhos do Criador e tal foco nunca foi perdido por Deus. O que é aos homens comuns impossível, não o é para Deus a respeito da justiça necessária à redenção humana.

Mistério tão insondável e glorioso, como a Trindade, é o igualmente insondável e glorioso mistério da encarnação da segunda pessoa da Trindade, o Filho de Deus. O próprio Deus se fez homem, sendo, portanto, um homem nascido de mulher com um corpo que perece ao mesmo tempo em que é Deus, Eterno desde sempre e Todo-Poderoso. Assim como cada pessoa da Trindade não é uma fração do Ser de Deus, elas coexistem, o ser da segunda pessoa da Trindade, Jesus Cristo, não é fracionado ou parcialmente homem e parcialmente Deus. Não foi feita a mistura dos seres humano e divino em Jesus, essas duas naturezas distintas não afetaram uma à outra como que se a natureza divina privilegiasse a humana enquanto que a humana comprometesse a divina formando-se assim um semi-deus à semelhança do que os gregos imaginavam. Em Cristo, o mistério e o milagre do verdadeiro e pleno Deus e do verdadeiro e pleno homem estão plenamente e perfeitamente presentes em seu ser. Ele é totalmente humano e isso é necessário para que a condição humana seja restaurada à presença de Deus por seus atos como redentor e Ele é totalmente Deus pois além de ser o criador Ele é aquele que é o Senhor da história e do universo, sendo também capaz, por sacrifício na cruz e ressurreição, de restaurar a criação conforme seus próprios propósitos eternos estabeleceram. Essas duas naturezas, a humana e a divina, em Jesus, coexistem.

A vinda do próprio Deus a este mundo, não em mera forma humana como se essa forma fosse passageira, mas assumindo uma forma e natureza humanas de uma vez para toda a eternidade, é um ato de humilhação e de glorificação do próprio Deus na pessoa do seu filho Jesus Cristo. Deus “desceu” de sua glória na pessoa de Jesus e humilhou-se à forma humana, Ele não usurpou ser igual a Deus, mas esvaziou-se, negou sua própria natureza e nasceu da virgem Maria, submetendo-se a uma natureza inferior, destituída da glória que sempre possuiu para viver entre os homens com o propósito de salvá-los dos seus pecados através do sofrimento e da morte numa cruz, uma condenação costumeiramente conferida a bandidos, a malditos, sendo que tal condenação foi injustamente atribuída sobre o inocente. Sobre Jesus foi derramada toda a maldade humana e a ira de Deus por causa de tal maldade que Ele carregou em seu próprio ser recaiu sobre Ele, satisfazendo a justiça divina em seu próprio Filho. O pecado pôde ser quitado com o sangue de um inocente que se entregou para pagar pelas penas do verdadeiro culpado. A humilhação de Cristo foi a mais penosa humilhação que um ser sofreu e ninguém poderá experimentar algo semelhante. Ninguém poderia pagar tamanho preço e sustentar tamanho fardo. De Deus que é, em sua glória, Jesus submeteu-se aos escárnios, sofrimento e morte de cruz e foi o seu amor que o moveu a destituir-se de uma glória eterna para experimentar tormentos que seriam removidos daqueles que deveriam sofrê-los. Como homem Jesus representou aos homens diante da justiça divina para que pela fé eles pudessem ser justificados, como homem Ele satisfez a ira de Deus que sobre eles seria derramada e como homem Ele adquiriu méritos que asseguram a salvação àqueles que têm fé nEle. Durante sua vida em nosso meio, Jesus orava e se submetia à vontade do seu Pai e como um filho obediente submeteu-se à humanidade e à condenação injusta na cruz para satisfazer a justiça de Deus.

Assim, o Deus Todo-Poderoso criador do Céu e da Terra fez-se plenamente homem na pessoa de Jesus Cristo e este ato foi uma demonstração do seu amor àqueles que nEle crêem. A realidade humana de condenação só poderia ser revertida com a quitação da dívida imposta pelo pecado e a justiça divina exigia tal pagamento que homem nenhum poderia pagar por estar muitíssimo comprometido pelo próprio pecado, e como Jesus não conheceu pecado Ele era a pessoa humana mais apta para este trabalho.

E Jesus é plenamente Deus além e ser plenamente homem, e por ser Deus o Universo se rende àquele que se fez homem, e por ser Deus a morte não poderia reter o Senhor de todas as coisas e autor da vida. Por isso, Jesus ressuscitou, vencendo a morte e tal vitória é compartilhada com todo o seu povo. Mas, antes disso, esta vitória e os atos que a antecederam fizeram com que Cristo fosse glorificado por seu Pai, não que Ele não o fosse antes, pois sempre teve a glória devida, mas agora tal glória é compartilhada com todos aqueles que se beneficiaram de seus feitos e, portanto, é ainda mais elevada. Assim, a justificação obtida pelos crentes em Cristo é uma parte de todos os benefícios que dEle recebemos por seus atos. Ao assumir nossa natureza e compartilhar do nosso ser, e vida, com suas lutas, alegrias e dores, Cristo nos faz compartilhar também da glória que sempre lhe pertenceu e que a Deus é digna. Ele nos faz assentar em lugares celestiais, em sua glória, para desfrutarmos como reis e sacerdotes das excelências que lhe pertencem, realidades antes impensáveis a nós. Ao compartilhar da nossa vida, Cristo compartilha conosco da sua vida e são nestas realidades que os cristãos devem ter firmes os seus olhos e corações, pois num certo momento histórico, Cristo voltará a este mundo para colocar ordem em todas as coisas, restabelecendo seu reino também onde hoje o pecado teima em querer reinar. Consciente dessas verdades, o Apóstolo Paulo recomenda-nos a imitar o que Cristo fez, sabendo que nunca haverá proporcionalidade entre as ações de Cristo e as nossas ações. Que não ousemos pensar que fazemos muito por Deus! Mas que atentemos para o fato de que se Cristo foi capaz de fazer algo tão extraordinário e que por isso desfrutamos hoje de bênçãos imensuráveis que se prolongam para a eternidade que sejamos nós também capazes de nos esvaziarmos de nós mesmos em função de algo ou de alguém que de nós precise, sabendo-se que nossa prioridade é a proclamação da Palavra que conclama as pessoas à salvação que há em Cristo e que tal proclamação serve à glória de Cristo, diante de quem todos os homens de todas as eras se prostrarão no dia do Juízo, confessando a glória daquele que é digno de julgar. Uns farão isso enquanto já desfrutam da glória do Senhor, coisa que continuarão a fazer por toda a eternidade na presença de Deus; enquanto que outros confessarão sua glória na medida em que forem recebendo suas sentenças de banimento da glória de Deus por terem amado mais a glória dos homens e a glória deste mundo transitório e condenado do que a glória de Deus que foi revelada em Cristo durante suas vidas.