15/06/2012


Esta palavra – fé – tem servido para denominar uma variedade de habilidades humanas e que têm afinidade com a capacidade que o homem tem de acreditar ou de confiar em algo, e normalmente refere-se às realidades transcendentais, metafísicas – embora possa servir para fins pragmáticos. Por meio da “fé”, o homem interage com tais “realidades”.

Desde os primórdios, a humanidade procura desvendar os mistérios que a cerca, tais como o sentido da vida, o que há após a morte, as relações de causa e de efeito, a existência de um mundo espiritual e de um Senhor sobre o universo. A partir de tais questionamentos, a diversidade religiosa foi-se formando – e isso sempre exigiu que se acreditasse no que é especulativo a ponto de o especulativo transformar-se em algo certo, crível; e da diversidade religiosa surgiram as diversas culturas, a filosofia e a ciência. Vê-se aí o desenvolvimento da razão, que tem suas bases nas especulações primitivas e que sempre dependeu da crença em algo.

Mesmo com o desenvolvimento científico, a necessidade humana de acreditar em algo e de transformar essa crença numa ideologia é ainda presente a todos os homens: sempre escolhemos alguma ideologia conforme nossas convicções e escolhemos investir nossas vidas em certos sistemas de crenças, seja ele uma crença religiosa, ou ideológica, política, ou científica. Sempre temos que acreditar em algo e esse algo torna-se central em nossas vidas; sobre esse algo nós nos construímos, nos definimos.

Sem que se haja em quê acreditar, o homem perde-se numa imensidão sem respostas ou definições e sua alma se apaga, definha. Não haveria pelo que lutar, nada a construir ou pelo quê viver. Parece que o grande motivador que leva o homem à construção de algo, ao desvendar dos mundos, é sua capacidade especulativa seguida imediatamente por sua capacidade de acreditar e de se apegar a alguma idéia, um norte para o seu caminho.

Embora toda a humanidade seja capaz de acreditar em algo e dependa dessa crença para subsistir, a posição bíblica do que é fé diverge, essencialmente, das demais posições a respeito. Pode-se até atribuir o mesmo nome – fé – mas seus significados não são os mesmos.

Pode-se dizer que o que a fé apresentada na Bíblia tem em comum com a diversidade de fés que a humanidade experimenta diz respeito à capacidade de se acreditar, à crença. Para aproximar-se de Deus, é necessário, em primeiro lugar, acreditar que Ele existe e que galardoa a quem o busca (Hb 11.6), mas isso não corresponde à totalidade da fé.

A fé bíblica, ao contrário das diversas fés do mundo, não é uma habilidade humana, não é uma capacidade sua, inerente, para interagir com o especulativo, sobrenatural, transcendental e metafísico. Ela é uma capacidade que não faz parte de nós, não pertence à nossa natureza, mas é algo que pertence à natureza daquele que dá a nós a fé como um dom (Ef 2.8). Assim se, por meio da fé, interagimos com o mundo espiritual – especificamente com Deus – é porque a fé vem dEle para nós, e não sai de nós no sentido dEle.

A Bíblia revela que estávamos mortos nos nossos pecados (Ef 2.1, 5) e os mortos não podem buscar a Deus (Rm 3.11, 12). Assim, por mais que se possa admitir que toda a humanidade possui um tipo de fé, ela não é aquela fé revelada pelas Escrituras e é inútil como meio de contato com Deus. A “fé” natural dos homens não tem efeito nenhum diante de Deus, sendo apenas uma capacidade humana concernente à graça comum, aquele tipo de dádiva para possibilitar a vida neste mundo – e que talvez tenha algum efeito para diversas práticas religiosas, mas não para a prática da verdadeira religião, o cristianismo bíblico.

A Palavra de Deus, quando é proclamada, é a única formadora da fé que satisfaz a Deus (Rm 10.17) e que estabelece o elo entre Ele e os homens. Cristo é essa Palavra proclamada (Jo 1.1), Ele é o autor e consumador da fé (Hb 12.2), o decreto à vida e a resposta ao seu chamado leva à única resposta possível: a fé, que é um novo viver como filho de Deus (Gl 2.20).

“Porque andamos por fé, e não por vista”(2 Co 5.7).